Eu, a princípio, achei que tinha lido errado. Mas li de novo. O erro não era meu. Era de um moleque de 22 anos. Nascido, portanto, em 1977. Ele é o novo presidente da União Nacional dos Estudantes. Sabe qual é a meta dele? Derrubar o Fernando Henrique Cardoso. Simples, né? Ir pra rua e derrubar o presidente do País. Ele e a multidão do PC do B, um partido já natimorto quando ele nasceu.
Será que esse moleque tem alguma noção do que aconteceu com o Brasil de 77 pra trás? E com a própria UNE? Ou será que ele achou lá um papel dos anos 70 em que estava escrito vamos derrubar o presidente e não leu a data?
Será que ele não sabe o que a UNE fez durante anos, contra a ditadura para, agora, finalmente, a gente colocar lá o Fernando Henrique? Será que ele não sabe quantas pessoas morreram para elegermos o FH? Sabe quanto sangue, garoto, foi derramado para que a minha geração tirasse os militares do poder? Sabe quantos estudantes da UNE sumiram cumprindo essa missão histórica? Não precisa responder. Você sabe.
Derrubar o presidente, rapaz? Será que você não tem mais nada pra fazer, não? Eu posso até não concordar com o nosso presidente. Mas vivemos numa democracia. Me emocionei quando ele subiu aquela rampa. Eu estava lá, trabalhando.
Você não viveu a ditadura, menino. Dê graças a Deus por termos o Fernando Henrique como nosso presidente. É um homem digno, íntegro, honesto e não mata estudante. Está fazendo o possível. Se está errando aqui ou ali não é de propósito. Não é pra te irritar. Foram muitos mortos, moleque, para conseguirmos a democracia.
Você devia estar preocupado com algumas mazelas do ensino no Brasil como o ministro Paulo Renato está. Ele é outro, que deu parte da juventude dele para chegarmos na democracia. Como o José Dirceu e o José Serra, que ocuparam esse seu cargo que, na época, era importante e respeitado. Homens como o Vinicius Brant sentaram aí nessa sua cadeira.
Vai conversar com o Paulo Renato, vai. Vai lá ver o trabalho que eles estão tentando fazer. Vai lá discutir o vestibular, os cursinhos, o ensino pago, o salário dos professores, as bolsas escassas, as escolas apodrecendo. Vai lá tentar ajudar na luta contra o analfabetismo. Não seria melhor levar os estudante para a rua para derrubar o analfabetismo?
E quem levou o ensino a esta situação que está hoje não foi o Fernando Henrique. Foram os militares que resolveram abolir a cultura neste país porque eles sabiam que os analfabetos não atrapalham. Há exceções.
Eu não posso acreditar, meu caro, que a sua única preocupação seja acabar, logo de cara, com a democracia. Você acha, você que foi eleito pelo voto indireto, você acha que todos os universitários do Brasil pensam como você? Quem te disse isso? Aqueles vetustos com unha encravada do PC do Brasil? Sai dessa, menino. Caia na real e não no real.
Você tem ideia do que pode acontecer com a economia do País se você conseguir tirar o presidente de lá? Tem noção das complicações internacionais que isso pode causar? Claro que você não vai conseguir. Não é isso que me preocupa. O que me preocupa é você estar preocupado com isso. Dói, menino, dói.
Você ocupa um cargo, você representa um segmento da nossa sociedade, menino. Você tem de lutar com todas as suas forças para melhorar o ensino no nosso País. Para isso você tem o poder. Para derrubar o civilíssimo Fernando Henrique, não tem. Não passa de uma piada. Na hora errada, cara. Mesmo discordando do homem, como a maioria discorda, ele tem de ter o nosso apoio e a nossa ajuda. E respeito. E não adianta responder esta minha crônica com esse seu discurso fora de moda que eu não vou nem poder ler.
Estou entrando em férias hoje e espero que, quando voltar, a UNE tenha caído em si. Caído democraticamente. Preocupe-se, meu caro, com os problemas dos nossos estudantes que estão por aí, tão perdidos quanto a sua direção. Me desculpe se peguei meio pesado. Mas é que era assim que eu fazia, quando era universitário, contra os ditadores assassinos. Do Brasil e de toda a América Latina.