Terapia matinal

Sentei-me na poltrona. Nego-me ao divã. Jamais me deitarei num divã, de costas para o homem. E começamos aquele lero-lero de louco para louco. O consultório dele fica num 12º andar, com uma vista bonita lá para os lados do Ibirapuera. Já havíamos tocamos naqueles pontos básicos do pânico, como a mãe da gente (qual é a mãe que não deixa a gente em pânico?), dos filhos da gente (filho adolescente dá pânico, sim) e da namorada (é sempre um panicozinho), quando eu observei, pela janela, do outro lado da rua (provavelmente na doutor Bacelar), uma moça que acabava de acordar e estava, sumariamente vestida, na varanda do seu (suponho) também 12º andar. Dava para ver bem o jeitão (jeitinho) dela. Pouco mais de vinte anos, se tanto. Loira, cabelos compridos onde ela teimava em passar um pente branco e grosso diante do vento quente daquela manhã.

O doutor fazendo explanações sobre os meus problemas e eu, alheio, olhando pela janela, resmungava uns sins e uns nãos, quando não passava de hum-hum. Foi quando ele pediu que eu falasse da minha relação com não sei mais quem, que eu vejo que surge outra moça na sacada. Devem ser irmãs, pensei. A segunda irmã era ainda melhor. Shortinho, joelho carnudo, firme e, para minha maior excitação, mordia uma suculenta banana. Devem ser estudantes de medicina da Paulista. Devem morar no interior. Comecei a viajar na história delas. Meu pânico tinha ido para o diabo. Estava, literalmente nas nuvens, já me imaginando deitado no divã delas, contando tudo-tudo-tudo.

Mas o meu psiquiatra me trazia de novo à realidade panicada dos meus dias terrenos. E financeiramente, como está? Sempre me dá vontade de dizer que estou na pior, para uma certa compaixão dele na hora de deixar o pagamento. Acho que era Freud o assunto agora. Ou seria esquizofrenia? Foi quando entrou na sacada, lá do lado de lá, que estava cada vez mais do lado de cá, a terceira. Outra irmã? De calcinha e sutiã? Estava. E o mais grave e estimulante: escovando os dentinhos. Não há nada que excite mais um homem do que uma mulher escovando os dentes, numa sacada, a cinquenta metros da realidade, com o vento batendo nos seus cabelos loiros e aneladinhos. Como escovava bem os dentes, a menina! Ia fundo, girava nas laterais, de baixo para cima, em ovais nas gengivas. Exatamente como os dentistas mandam a gente escovar.

Foi quando ele sacou que eu não estava nem aí. Disse para ele o que eu estava vendo. Ele se levantou (o que me deu liberdade para me levantar também) e fomos ambos para a janela. Ele gostou. Gostou tanto que abriu um pouco mais a persiana para a gente ver melhor. Ele se amarrou mais na que mordiscava a banana e eu fiquei com as outras duas, embora não tirasse o olho da que escovava os dentes.

Lembrei-me de um sabonete de muito antigamente (no psiquiatra a gente lembra de cada coisa!) chamado As Três Moças do Sabonete Araxá. Na embalagem, o desenho de três lindas meninas. Aquelas mesmas que estavam ali, na nossa frente, preparando-se para enfrentar o dia-a-dia, o pânico-a-pânico. Não sei se foi o Drummond ou o Bandeira quem fez uma poesia para as meninas do Araxá. Mas alguém fez.

Deixamos o meu pânico para lá e tecemos comentários sobre a anatomia de cada uma. A visão anatômica de um médico sempre deve ser considerada nessas horas. Elas riam, estavam felizes. Nós dois também. O tempo da consulta, infelizmente, acabou.

– Você está ótimo!, disse-me ele.

– Você também!, disse eu, vendo a persiana se fechar.

Paguei (com prazer) e perguntei:

– Posso voltar amanhã?

– Claro. Mesma hora!