Sorteio brasileiro

O texto que está logo abaixo é verídico. Foi divulgado pelo Clube de Dirigentes Lojistas de Carazinho, lá no Rio Grande do Sul. Trata-se de uma carta escrita por um devedor gaúcho para uma loja onde ele devia umas prestações.

Prezados Senhores

Esta é a oitava carta jurídica de cobrança que recebo de Vossas Senhorias…

Sei que não estou em dia com meus pagamentos. Acontece que eu estou devendo também em outras lojas e todas esperam que eu lhes pague. Contudo, meus rendimentos mensais só permitem que eu pague duas prestações no fim de cada mês. As outras ficam para o mês seguinte. Estou ciente de que não sou injusto, daquele tipo que prefere pagar esta ou aquela empresa em detrimento das demais.

Não!!!

Todo mês recebo meu salário, escrevo o nome dos meus credores em pequenos pedaços de papel, que enrolo e coloco dentro de uma caixinha. Depois, olhando para o outro lado, retiro dois papéis, que são os dois “sortudos” que irão receber o meu rico dinheirinho.

Os outros, paciência. Ficam para o mês seguinte.

Afirmo aos senhores, com toda certeza, que sua empresa vem constando todos os meses da minha caixinha.

Se não os paguei ainda, é porque os senhores estão com pouca sorte.

Finalmente, lhes faço uma advertência:

Se os senhores continuarem com essa mania de me enviar cartas de cobrança ameaçadoras e insolentes, como a última que recebi, serei obrigado a excluir o nome de Vossa Senhoria dos meus sorteios mensais.

E ponto final, colocou o gaúcho que, além de tudo, escreve com um português de primeira.

Não tenho nada que ver com as dívidas desse brasileiro. Mas, diante de tamanha criatividade, se fosse eu seu credor, perdoava. E ainda convidava para um chimarrão amigo.

Esse ilustre desconhecido, devedor como muitos de nós, é o retrato do Brasil de hoje. Deveria servir de exemplo para os nossos políticos. O mal do brasileiro é querer resolver tudo de uma vez. E não dá. A gente sabe que não dá. Tem que sortear as prioridades.

O presidente deveria colocar tudo numa caixinha. Uns papeizinhos. Todo mês ia lá e sorteava um tema. Deu Saúde no primeiro sorteio. Pronto, o Brasil todo, durante um certo período iria se preocupar com a saúde. Até acertar de uma vez com o problema. Depois sorteava mais um papelzinho, Educação. Todos os recursos para a Educação. Nada de dar um pouquinho em cada orçamento para tudo.

Mas ia dar bode. Pensando bem, ia dar bode. Já iriam fazer uma comissão mista para definir o tamanho do papelzinho. Ia ter concurso para saber quem que ia escrever neles. Fiscais da Caixa Econômica de olho. Briga entre o Gugu e o Faustão para definir quem ia dar ao vivo o sorteio. Concurso para as meninas gostosas que iam ficar do lado, as papeletes. E logo a coisa iria se transformar num consórcio. Ministérios dando lance por fora, conchavos de última hora, o meu pedaço de papel era mais leve que o seu. A dobrinha daquele estava diferente.

Loterias paralelas surgiriam: qual vai ser o papelzinho do mês? Gente jogando na trinca, com prêmio acumulado para quem acertar três papeizinhos em seguida, como no jóquei.

Os papeizinhos não sorteados num mês seriam incinerados ou valeriam para o próximo? E a caixinha? De acrílico ou de sapato mesmo? Lacrada? Caixa-preta?

Acho que não ia dar muito certo. Mas que fique apenas a dica gaúcha para os novos prefeitos. Não tentem fazer tudo de uma vez. Façam só uma coisa por vez, mas bem!

Mesmo porque não temos dinheiro. Nem o senhor de Carazinho, nem eu, nem você e muito menos as nossas prefeituras.

Vamos com calma, antes que alguém sorteie de vez o Brasil inteiro. E tem muita gente de olho na nossa caixinha e nos nossos papeizinhos.

E vamos ter a CPI do Papelzinho.