Quase o desespero. Estou em Uberaba, Minas. Desde sexta-feira procurava um fio. Um fio que saísse da parede e entrasse num adaptadorzinho que, por sua vez, se conectava ao meu notebook. É, eu tinha esquecido este pequeno detalhe em São Paulo. E aquela história de notebook ter bateria e se virar sozinho é grupo. Sem isso, impossível escrever, ver mails, jogar paciência. Enfim, trabalhar.
Escrever, salvar o trabalho e mandar pra o jornal.
Meu pai, com seus 89 anos, solícito, me coloca todos os fios disponíveis da casa, todas as tomadas. Mas ele não tem a mínima ideia do que seja um computador. E ainda fica me gozando e me relembrando as velhas Remingtons em que comecei a escrever.
– Não, pai, isto aqui é de antena!
Me falam de um primo que sabe tudo de computador, o Gustavo. Dizem que tem até câmera, o micro dele. Realmente tem, mas o fiozinho, nada.
Passa o sábado, passa o domingo. E eu caio na real: segunda é feriado. Não vou arrumar o fio em lugar nenhum. Pensei até em ir à televisão dar uma entrevista qualquer e perguntar quem é que tem um notebook IBM pra me emprestar o fiozinho.
– O padre tem computador. Escreve no dele.
O padre é meu tio, irmão do meu pai. Tio Padre.
É onde estou agora. Na casa do padre. Mas o padre não está aqui, saiu para alguma celebração e eu não consigo entrar na Internet. O padre me deu a absolvição, mas não deu a senha. E senha de padre é sagrada.
Penso até em entrar no âmago do computador dele e descobrir. Mas não posso me meter a vasculhar os segredos eclesiásticos do padre. Atrás de mim, aqui na salinha, tem uma Nossa Senhora e um Jesus Cristo me vigiando de rabo de olho.
Ligo para o Gustavo, aquele, e ele me diz que o teclado dele é daqueles arredondados, aquele que é bom para trabalhar quem está com furúnculo debaixo do braço e anda com os dois assim meio arqueados.
Impossível alguém normal digitar naquilo. Volto para a casa do padre. Penso até em rezar. O jornal não pode esperar. A situação agora está pior que no começo. Não tenho aquele fiozinho nem acesso à Internet.
E não há sedex que me leve a crônica. E tudo porque o marechal Deodoro da Fonseca resolveu proclamar a República, justamente hoje, segunda-feira.
Daqui a pouco a Glorinha, do Caderno 2, vai tocar o meu celular atrás da crônica. O espaço não pode esperar.
Tenho aqui uma amiga, a belíssima Ana Keyla, corretora. Sei que ela tem computador e Internet lá na Patrimônio, a agência dela. Mas não fica bem telefonar pra ela, no dia da proclamação da República.
Um outro primo, o Jorge Henrique, conhecido na praça como Pratinha, dono de bar, deve estar dormindo, depois de atender os bebuns de plantão até as 5 da manhã. Tem o prefeito, que é meu amigo, o Marquinhos. Mas ele não abriria a prefeitura hoje para procurar um fio ou um acesso à Internet. Pode ter até um acesso de raiva, algo comum aos prefeitos do Brasil.
Volto no tempo e me lembro da época do fax, coisa da década passada. Posso imprimir e mandar um fax. Ligo para a redação do jornal. Ninguém chegou, ainda. Feriado, cara!
Olho em volta, vejo umas anotações do padre: vulgarmente, o que se pensa sobre política?
– Não quero saber de política. Não tenho tempo.
– Política é coisa suja.
– Os políticos são todos corruptos.
– São mentirosos.
– Não cumprem o que prometem.
– Só ajudam os afilhados.
E, mais abaixo, uma frase do Lebret: a política é a ciência, a arte e a virtude do bem comum. É o bem comum, Lebret?
Estou acabando a crônica e não sei o que fazer com ela. É preciso que o padre chegue e me dê a senha.
Chegou.
– Qual é a senha, Tio Padre?
– Jesus.
– Claro, só Jesus salva.