San Francisco – Faz dez dias que estou em San Francisco e tenho a nítida (e pretensiosa) ideia de que sempre morei aqui. A cidade é pequena (embora alta). Deve ser mais ou menos do tamanho dos Jardins, em São Paulo, com uma população de 750 mil habitantes. Mas, em cada canto, a gente vai vendo e sentindo um pouco do nosso passado. É a música que foi feita aqui, os livros escritos aqui e, principalmente, os filmes rodados nestas limpas e onduladas ruas.
Quem é, da minha geração, que nunca viu um bondinho (cable cars) num filme emocionante, com os manobristas gritando heeeeere we go ou hold on tight for the curve? Os cabbe cars são o único patrimônio tombado pelo Estado que são móveis.
Talvez Mark Twain, que veio para cá na época do velho oeste procurar ouro, tenha sido o primeiro a escrever sobre a cidade. Depois, já no começo do século, registrou o terremoto de 1906 em detalhes no seu Roughing It. Dando um pulo no tempo, podemos chegar ao Falcão Maltês, de Dashiell Hammett, que depois viraria filme do John Huston, com Humphrey Bogart. E se você vai jantar no John Grill, tá lá a mesa onde Sam Spade, o detetive, comeu um filé acebolado atrás de uma pista falsa. Mas esteve lá. Jack London descreveu a sua infância em Oakland. Depois veio Jack Kerouac (hoje nome de rua) com o seu On the road. Mais recentemente, Pynchon mostrando a sua geração em 60. Por onde você anda, vai vendo estes textos no seu passado.
E os filmes? Quantos e quantos filmes não foram rodados no presídio de Alcatraz, uma ilha no meio da baía? Quantas tentativas de fuga? Os Pássaros, por exemplo, de Hitchcock, foi filmado na costa norte. Mas nada como Bullit, aquele filme de perseguição de carros pelas ruas da cidade. Os carros voavam nas subidas e descidas das ruas por onde agora eu passeio. Mas atravesso com cuidado. Como se aquelas perseguições nunca acabassem. Em cada esquina você se lembra de um filme. Parece que a porta da casa vai se abrir e algum ator ou atriz de Hollywood vai sair e te convidar para um café. Ou então o Santana e sua banda, que também surgiram aqui, vão dar um sustenido no seu ouvido. Ainda se ouve nas rádios daqui o sucesso de Tony Bennett I left my heart in San Francisco. E lá se vão 25 anos.
Mas quem entortou mesmo a cidade foi a Janis Joplin. Tá certo que nasceu no Texas, mas foi aqui que ela viajou pra valer até a morte com overdose de cocaína. Quem viu Rose, o filme sobre a vida dela, deve estar com as ruas da cidade na cabeça.
San Francisco também é a terra do William Randolph Hearst, o grande magnata das comunicações, que teria inspirado Orson Welles a fazer o mais antológico dos filmes de todos os tempos: Cidadão Kane. Mas se Orson dominava o pedaço nos anos 40, quem domina o espaço hoje é o Coppola, que tem uma casa cinematográfica logo ali, depois da Golden Gate, em Salsalito. Não nos esqueçamos que a filha de Hearst, a Patrícia, virou terrorista de assaltar banco e tudo o mais. Fizeram um filme sobre isso. Aliás, onde anda Patrícia Hearst? Ainda não cruzei com ela na rua.
E Joe DiMaggio, aqui mais conhecido como um dos melhores jogadores de beisebol de todos os tempos? Mas, para nós, adolescentes dos anos 60, um mito muito maior: transava com a Marilyn Monroe.
E quem ainda anda pelo pedaço é o Jerry Garcia, guitarrista, vocalista e líder da banda psicodélica Grateful Dead.
Aqui aconteceu a grande corrida do ouro a partir de 1848, aqui surgiu a guerra que separaria a Califórnia do México, aqui aconteceu o movimento beatnik, aqui surgiram os hippies, aqui fica Twin Peaks, que deu aquela série.
Só aqui poderiam acontecer tantas coisas. Cultura que a gente já tinha na nossa memória. A cidade é doida, louca, elegante, hospitaleira, calma, rica, excitante. Afinal, o primeiro nome de San Francisco foi Yerba Buena. Não podia dar noutra coisa.
Meu Deus, como nós, brasileiros, somos americanos! Será que valeu a pena? Quem sabe a gente se torne, aqui, sem pânico, campeões mundiais de futebol? Já é alguma coisa. Um pequeno troco.
P.S.: além da memória, abusei um pouco do Frommer’s.