Prospectos complexos

No Brasil, só é considerado escritor quem escreve livros. Principalmente romances. E quem escreve as bulas e os prospectos? Não, não são considerados escritores. E nem devem. Mas eu acho que o dia que chamarem um profissional das letras para tal trabalho nossa vida será bem melhor.

O prospecto ou manual de instrução que acompanha os aparelhos elétricos – ou mesmo um carro – é algo inacreditável. Quem é que escreve aquilo? Céus!!!

Tente trocar o pneu de um carro usando o prospecto que você vai me entender.

Você vai acabar desmontando o carro inteiro.

Outro dia eu comprei umas caixinhas de som para colocar no meu DVD. Veio o prospecto, é claro. Eu não sou analfabeto, achei que resolveria sozinho.

Nada. Não entendia aquela língua. Aquilo não é português nem aqui, nem em Portugal. Liguei para o revendedor autorizado e ele me disse algo mais ou menos assim:

– Olha, amigo, isso é igual a celular. Tem mil possibilidades, mas ninguém usa nem dez por cento. Vou te mandar um técnico aí e, por dez pilas, ele te explica tudo.

Ou seja, o celular – para citar o exemplo do técnico – foi se aperfeiçoando, se aperfeiçoando, só que ninguém consegue usar tudo o que ele pode oferecer.

E por quê? Porque lá na fábrica não tem ninguém que entenda a nossa língua para nos explicar.

E eles – de qualquer coisa que você compre – começam sempre assim: Lendo o material com atenção, você saberá usar corretamente o seu aparelho, aproveitando ao máximo seus recursos técnicos. Mentira! Não existe atenção que nos traduza aqueles hieróglifos. Um outro coloca na primeira página:

Fizemos este manual pensando em simplificar a sua vida. E eu penso: ainda por cima gozando com a minha cara.

E, antes de começarem a explicar como instalar a bugiganga, vão nos dando os parabéns: Parabéns, você acaba de adquirir o que há de melhor, et cetera, et cetera…

Bem, depois de ler e reler o prospecto, sem entender o que é o cabo GHT e onde tem de enfiar o conector VGS e sem saber o que fazer com aquele fio que sobrou, você liga para a autorizada. E descobre que além do prospecto não ter sido escrito por um escritor, o técnico também não fala a sua língua.

Ele fala no disjuntor como se o disjuntor fosse nosso primo. Aí você pergunta: mas o que é o disjuntor? Azar o seu, porque ele vai descrever para você – na língua dele – o que é. E você descobre que é aquele botãozinho logo ali. Por que raios ele não chama aquilo de botãozinho, meu? Isso, sem falar no cabo axial. Sabe o que é um cabo axial? Então.

Aí, depois de tudo instalado, não funciona. Você liga para o elemento e ele te chama de idiota quatro vezes. Assim:

– Tá ligado na tomada?

– Tem energia na casa?

– O disjuntor tá ligado?

E, para provar que você é mesmo um débil mental:

– Não tem nenhum fusível na casa queimado?

Eu volto ao manual. E lá – em todos eles – está escrito: Guarde este manual para futuras consultas.

Pois agora, neste momento, peguei todos os manuais que tinha aqui em casa e joguei no lixo.

Exausto, caio no sofá. Na minha frente cinco controles remotos. Cinco. Fico olhando para os 50 botõezinhos de cada um deles e pensando que eu sou um analfabeto. Ou velho.

Sou do tempo em que a vida se resumia a liga e desliga. Minha vida nunca teve disjuntores. E, se você não sabe o que é um disjuntor, o mestre Aurélio explica que é um dispositivo destinado a desligar automaticamente um circuito elétrico sempre que ocorrer sobretensão da corrente.

Ou seja, algo que deveria existir na nossa televisão para desligá-la assim que inicia o horário político e começa aquela sobretensão da corrente brasileira. Porque ouvir aqueles sujeitos com cara de segunda-feira em cinco caixas de som não há manual de instruções que me oriente.

Desligo. Ou melhor, disjunto.