San Francisco – Eu costumo andar com um gravadorzinho de bolso. Ali registro ideias que depois podem virar crônicas, filmes, peças de teatro. Tem me sido muito útil aqui nesta Copa. Estou hospedado no Hilton de São Francisco. Chegamos antes da torcida. O hotel era de uma calma californiana. Mas, na sexta-feira passada, começaram a chegar os brasileiros. Só aqui no Hilton eles são mais de mil. Na noite de domingo, véspera do jogo do Brasil, Paulo Caruso desce para o lobby antes de mim e logo telefona:
– Meu, desce aqui, que isso está parecendo o baile do Monte Líbano.
Desci com o meu gravador e fui anotando o que via. Só desligaria a maquininha no dia seguinte, depois de gravar (emocionado) o Hino Nacional antes da estreia do Brasil. O que se segue são as anotações do meu gravador, na ordem que foram feitas, sem tirar nem pôr.
– Nunca mais o Hilton será o mesmo. Estou aqui no lobby do hotel. Acabaram de chegar mais de mil brasileiros. De repente este lobby, que é um dos mais chiques do mundo, foi invadido por uma turma vestida de verde e amarelo, uma combinação que não combina nem entre si nem com os lustres de cristal do hotel.
– Estão fazendo um sambão no lobby. Que coisa.
– Os outros hóspedes do hotel, que não são brasileiros, não acreditam. Estão, literalmente, boquiabertos. Olham, pasmados.
– Estão todos de tênis novo. América, para a classe média brasileira significa tênis.
– Agora estão cantando de repente é aquela corrente pra frente. Tem bumbo, reco-reco, pandeiro, uma branca tenta o samba no pé.
– Uma recepcionista pergunta em inglês para um brasileiro o que significa a frase que ele tem inscrito na camisa: Papa Essa Brasil! Ele está tentando explicar. Está difícil. Chega uma recepcionista mexicana e diz que Papa é batata!
– Os americanos olham desconfiados. Chegam mais brasileiros. Cada elevador que abre despeja uns dez canarinhos no lobby.
– Ninguém acredita no que está vendo.
– Agora cantam desespero meu…
– O lobby do hotel deve ter uns dois mil metros quadrados. Deve ter um brasileiro por metro quadrado. Virou uma praça brasileira debaixo dos caracóis daqueles lustres imensos que a gente só vê em filme americano.
– Passa uma argentina, um brasileiro grita: Canighia porca!
– Surgem agora aquelas cornetas que enchem o saco de todo mundo. Aquelas que parecem mugido de vaca. Várias delas. Eu não sei como o hotel não toma nenhuma atitude. Apito de puxar samba.
– As pessoas se vestem de Copa do Mundo. Tem uma mulher aqui na minha frente que até a fita do cabelo dela é amarela. Até a meia tem a inscrição da CBF. Bunda rebitada igualmente amarela.
– Esta é a torcida Ouro, a que pagou mais caro para ficar num cinco estrelas. Fico pensando onde andarão a torcida Prata ou Bronze.
– Eu fico imaginando este casal se vestindo no quarto, de verde e amarelo. Imagino mais ainda: eles no Brasil preparando a roupa para a Copa. Comprando, colocando na mala.
– Perguntei para a garçonete o que ela estava achando daquilo. Disse que os americanos adoram a gente e perguntou quem eram os jogadores. Expliquei que os jogadores estavam concentrados noutro local. Era jurava que achava que eles estavam ali. Disse ainda que os brasileiros são bons de copo e ruins de gorjeta.
– Agora passa uma japonesa velhinha com aquele andar curto, com quimono completo. Ela não entende o que está vendo. E o pior é que nunca entenderá.
– A impressão que me dá é que eles não estão na Copa e sim na Disney. Todos parecem crianças. Entraram numa roda gigante, no trem da alegria, no túnel do tempo, no baile da Cinderela. A Copa é a Disney deles. Deixaram os filhos em casa e caíram no carrossel da alegria. Uma viagem no tempo. Eles não estão em São Francisco: estão na Disney. Estão na deles.
– Agora são oito da manhã. Volto para o lobby. O samba continua. Tem mais gente agora. O agente da Stella Barros diz que já são dois mil, agora. Será que pararam para dormir ou o samba atravessou a madrugada fria de São Francisco? O samba rola solto.
– O engraçado é que a maioria dos torcedores é composta de gordos, barrigudos. Não resta dúvida que existe uma estreita relação entre a cerveja e o futebol. O Fischer está certo.
– Já tem nego bêbado no salão.
– Estão todos fantasiados de brasileiros. O ônibus para o estádio sai dentro de duas horas. Caras pintadas, perucas verde-amarelas, peruas verde-amarelas.
– Uísque de garrafinha às oito da manhã, tomado na tampinha.
– Já tem gente em cima das cadeiras.
– Acho que no fundo, fazendo a Copa, é isso que o americano quer, que o Hilton quer. Isso faz bem para eles.
– Passam dois policias. Sorriem. Have a good game, dizem.
– Sai do elevador mais um torcedor. É o Matthew Shirts, americano que trocou o Búfalos de Los Angeles pelo Corinthians de São Paulo. Está com a camisa da seleção, o boné da seleção e uma enorme bandeira brasileira amarrada no pescoço como se fora um véu de noiva. Uma Bud na mão, uma paixão pelo Brasil. É o mais brasileiro de todos os brasileiros. Acho que vou chorar…, disse ele.
– São quinze para as dez e desistimos de ir no ônibus. Muita confusão. Vamos de carro mesmo. São mais de cinquenta ônibus na frente do hotel. Isso não vai dar certo.
– Estamos agora na 101, a auto estrada que nos leva para o estádio. Brasileiros passam buzinando. Esporro geral. Os motoristas americanos não entendem tantas buzinas. Parece que estou indo para o Morumbi.
– O estádio está todo verde a amarelo. Realmente é muito, muito, muito emocionante. Acho que eu também devia estar vestido de brasileiro.
– Muita emoção. O jogo está para começar. Nunca estive tão emocionado na minha vida. Acho que só no nascimento dos meus filhos. Um nó na garganta.
– Um brasileiro grita: sit down, porra! Outro retruca: sit bank, baby!
– Começa o Hino Nacional. Eu seguro as lágrimas, o peito dói. O juiz apita. Começa a Copa para todos nós.
E choro de novo, agora, aqui no meu quarto, ao ouvir o Hino no gravadorzinho. O lobby está vazio. Os brasileiros dormem, felizes. Amanhã tem mais. Vou comprar uma roupa de brasileiro e tomar uísque na tampinha. Quero uma corneta só para mim!