- Direção, Cenografia e Trilha Sonora: Flavio de Souza
- Elenco: Genésio de Barros, Ana Lucia Barroso, Iara Jamra, Ana Maria de Souza, Marcos Botassi, Augusto Rocha, Maria Luisa Jorge, Cristina Mutarelli, Norival Rizzo
- Ficha técnica completa
Imprensa
- Peça faz “mapeamento da sexualidade do brasileiro” (Estadão, 11/10/1984)
Quando o Prata me propôs escrever uma peça baseada no meu livro Conversando sobre Sexo, eu achei que ele estava louco. Como fazer uma peça de um livro didático, de depoimentos? Ele me respondeu: “Por isso mesmo: cada carta é um drama em si mesmo.” Na hora percebi a possibilidade que ele se referia, mas também me veio forte a responsabilidade que tenho por esses testemunhos.
Lidar com isso de maneira digna e, ao mesmo tempo, que propusesse reflexões sobre o tema me pareceu extremamente difícil e impossível de transferir essa responsabilidade a outro. Disse então que poderia pensar sobre o assunto, mas somente em base de co-autoria.
Começamos a conversar. Prata passou dias no meu escritório lendo centenas de cartas, ficando cada vez mais impressionado com o que descobria. O que no livro aparece como uma carta, assinada por uma pessoa (nome trocado, obviamente), corresponde a centenas de cartas muito parecidas. A imensidão dos problemas, da angústia e ignorância da nossa população o invadiram de forma a repensar a proposta. Drama ia ficar demais. A situação, os depoimentos são um drama em si mesmos.
Eu até hoje sempre falei de sexo de maneira muito séria. Não dava para ser de outra forma quando você está quebrando tabus e preconceitos seculares. Entretanto, sempre achei que se aprende muito com o riso e com a possibilidade de se rir das próprias besteiras. É uma forma de conscientização. Daí a peça se transformar numa comédia foi um pulo. Prata conhecia o Dagomir e Rogério que são jovens e extremamente criativos e poderiam fazer músicas no espírito que queríamos: virou comédia musical.
Minha intenção? Que a peça divirta muito e faça pensar sobre os valores sexuais e inspire um sexo sem grilos. Ivone e Jorge, nossos personagens principais, são um casal de meia idade que me escreveu para dar testemunho de seu encontro nessa idade. Sua carta, publicada na pág. 956 do Conversando sobre Sexo, fala de uma vida sexual cheia de problemas e tabus. A descoberta do amor e dos prazeres sexuais veio aos 50 anos. É um testemunho de esperança. Utilizamos centenas de depoimentos de adolescentes e pessoas de idades variadas para montar as dificuldades que imaginamos Jorge e Ivone, como dois brasileiros, viveram no desenvolvimento de sua sexualidade.
De novo, digo, há esperança, mas não é preciso tanto sofrimento.
Marta Suplicy
Texto de Mario Prata para o programa da peça
Ao ler o livro Conversando Sobre Sexo, de Marta Suplicy, duas coisas me vieram à cabeça. Primeiro a ignorância sexual do brasileiro. Segundo: em cada uma daquelas cartas de seus ouvintes no programa da Rede Globo, havia um personagem sofrido, uma pessoa angustiada, uma repressão, uma história do Brasil de hoje. Quando lhe propus escrever uma peça juntos, sobre aquele material, me lembro da sua reação: meu livro, uma peça de teatro?
Mais assustado fiquei quando tive acesso a mais de três mil cartas recebidas por ela. Eram três mil personagens à procura de dois autores. A primeira providência foi tomada: só usaríamos cartas que representassem problemas de milhares de brasileiros e nunca alguma carta com um problema específico e/ou particular.
O que pretendemos com a nossa peça Papai & Mamãe (Conversando Sobre Sexo) é fazer um mapeamento da sexualidade no Brasil de hoje. E é justamente aí que mostrarmos o quanto a repressão e a falta de cultura contribuem para a estagnação de uma sociedade. Quantos crimes não são cometidos diariamente em nome do sexo, da honra, da vaidade e mesmo da ignorância? As autoridades brasileiras, os ministérios, os políticos, os professores fecharam os olhos para o problema do sexo no Brasil. Sexo ainda é tratado como uma coisa suja, menor, que não se deve nem tocar no nome ou assunto.
O que queremos é chamar a atenção de todos para a infelicidade geral de milhões de brasileiros, oprimidos, reprimidos e mal amados.
A peça é uma sucessão de cartas, de depoimentos desses brasileiros. Não acrescentamos nada, não mudamos nada Apenas dramatizamos, roteirizamos estes personagens. Tudo que está no palco, é verdade. Pela primeira vez escrevi uma peça onde não criei um único personagem, onde não escrevi uma única linha.
Depoimento do diretor Flavio de Souza
Há mais de um ano atrás eu recebi um recado: o Mario Prata quer conversar com você. Eu nunca tinha visto a ilustre figura. Eu sabia que ele tinha escrito o Besame Mucho e, é claro, Estúpido Cupido.
Tocou a campainha, e ele foi entrando e se apresentando e a minha vida nunca mais foi a mesma. A palavra sexo deixou de ser apenas o que designava a dádiva dos deuses pra se aguentar viver neste planeta, a única brincadeira dos adultos, pra se transformar num assunto profissional. Eu pensei — Ih, que chato! Mas, foi o seguinte: ele tinha tido a ideia louca de transformar o bestseller da Marta Suplicy numa peça. E eu, muito oferecido, já fui aceitando o convite pra dirigir. Eu não fiz a pergunta que martelava a minha cabeça ( — por quê eu?) com medo dele não saber a resposta. Depois eu soube que ele tinha ido assistir a minha peça “Parentes entre parênteses” e tinha achado que tinha tudo a ver. A Marta, também.
Tudo neste projeto me fascinava: dirigir uma peça escrita por outra pessoa (é a primeira vez). Conhecer a estrela das manhãs de milhões de telespectadores (eu nunca tinha visto, porque sou notívago convicto). Trabalhar com o Mario, um autorzão. E participar de um grandioso espetáculo all talking-all-singing-all-dancing. E o assunto, é claro, que pode-se até mentir, mas diz respeito e interessa a todos. Mas quanto mais se conversava, mais se tornava claro o que era mesmo este trabalho: um desafio.
Mexer com fragmentos de histórias reais sem desrespeito ou leviandade. Apresentar uma síntese do pensamento de uma importante sexóloga sem ser didático ou superficial. Tratar do assunto de uma maneira que não fosse grosseira, pudica, sensacionalista ou oportunista: estas eram as dificuldades.
Para, como se diz em inglês, tornar uma longa história curta, a Marta entrou com o conteúdo e sua experiência no assunto. O Mario com a estrutura dramática e narrativa, seu talento em mexer com palavras. E eu com uma concepção cênica que nasceu de uma síntese de tudo que eu já tinha feito antes em teatro (minha experiência no Pod Minoga Studio, e como aluno, assistente e co-autor de Naum Alves de Souza), uma continuidade do meu trabalho como diretor (misturando comédia e drama, exagero e sutileza, realismo e fantasia e usando recursos de linguagem cinematográfica) e coisas que eu já tinha experimentado mas nunca usado (simultaneidade de ação, superposição de músicas, mudanças bruscas no tom do espetáculo).
Esta concepção foi sendo modificada e moldada com mudanças no texto e na própria estrutura dramática do texto, novas músicas, e tudo que compõe um espetáculo teatral, feito por mais de vinte pessoas: as interpretações dos atores, os figurinos, o cenário, a luz, o som, os adereços, etc., etc., etc., etc., etc., etecetera numa tentativa de fabricar ilusões a partir de dados reais, de proporcionar ao público uma viagem à uma outra dimensão através de novos conhecimentos e entretenimento.
Flavio de Souza
Diretor