Paris – Tinha um japonês atrás de mim. Na verdade, neto de japonês. Brasileiro feito a gente, camisa amarela, rouco e gripado. O nome dele é Wilson e mora em Tupã, interior de São Paulo. Antropólogo, minha senhora. Estamos no ônibus, a caminho de Versailhes. Ele conversa com uma brasileira madame de bengala. O papo é tão doido que eu ligo o gravadorzinho.
Antes, de orelhada, fiquei sabendo que ele havia feito pós-graduação em Paris – Sorbonne! -, de antropologia física, que, segundo ele, se ocupa da origem e da evolução biológica do homem, assim como das diversidades raciais e seus vários subgrupos.
– Sei.
– Hoje, na França, o índice de natalidade é de apenas 0,6%. E o de cachorro é de 6,8%. Segundo os meus cálculos, no ano 2.128, não vai mais ter francês na França. Só cachorros. A senhora tem que considerar que o período de gestação das francesas é de nove meses. Das cachorras francesas é de 9 semanas. E pode ter ninhada até de 10. E mais uma informação, minha senhora: o cachorro macho já pode ser pai a partir de um ano de idade. Já pensou? Pensa nisso, vovó Maria. Aliás, hoje em dia, já tem mais cachorro do que francês por aqui. A Brigitte Bardot já percebeu isso faz muito tempo. E saiu latindo em defesa deles.
– É verdade. E como os cachorros franceses são educados, educadíssimos!
– Claro, eles já estão treinando e educando os cachorros para o futuro. Já estão ensinando cachorro a ir a restaurante, a supermercado. Já viu em cinema, como eles prestam atenção? Outro dia, no show do Moulin Rouge, tinha uns cinco. Acompanhavam aqueles seios nus com moderada excitação. Cachorro já viaja de avião. Primeira classe. Já tem loja de móveis para cachorro, a senhora já viu?
– Umas gracinhas. É muito interessante como eles se comportam bem nos restaurantes.
– Claro, é berço. E as ruas daqui não são como as de Higienópolis, não. Eles sabem onde e quando fazer. Preservam as ruas e os parques porque sabem que um dia, tudo aquilo será deles.
– É verdade. Já notei.
– Criança fica em casa. Quem sai com o casal é o cachorro. Então, como eu ia dizendo, vai chegar um dia que só vai ter cachorro em Paris. A cidade vai ser deles. E, eu tenho certeza, que eles vão estar preparados. Porque eles estão sendo treinados para o futuro. Não teve aquele filme, O Planeta dos Macacos? Então, aqui vai ser o planeta dos cachorros. O Planeta Chien! Só que o Planeta dos Macacos era ficção. Aqui, não. 2128! A Copa vai ser aqui, de novo.
– Interessante. Muito interessante. Muito interessante mesmo. E o senhor acha que vai ter Copa do mundo de cachorros?
– É claro. Os franceses entram com os cachorros e os brasileiros com os canarinhos. Os canarinhos virão todos em excursão pela Stella Barros. Os cachorros franceses vão ficar com raiva dos canarinhos. E a guia passarinho vai explicando: ali foi decapitada a cadelinha Maria Antonieta, hoje vamos visitar o museu do Louvre, onde se pode ver a grande cadela Gioconda, também conhecida como Petit Madona. Isso mais para o futuro, onde já vão existir os cachorros Luis XIV. E assim por diante. Aqui morou Luis XV e a favorita dele era a cadela tal. O cão Sol, o rei Baguette V. Vão ter os cachorros policiais correndo atrás dos hooligans. Cachorro caçador, da raça Napoleão, rastreadores e assim por diante. Vai ter guerra quando o usurpador pastor Alemão resolver assumir a Notre Dame. O Arco do Triunfo vai se transformar num grande mictório canino. A Torre Eiffel será o poste ideal, que todo cachorro sonhou desde pequenininho. As cadelas francesas vão ditar a moda latindo: di-ór! di-ór! E, de tanto latirem, a língua oficial vai ser o latim.
– Impressionante, seu Wilson! Impressionante.
– É, minha senhora, vai ser uma grande cachorrrada! Haja pão, pra tanto cachorro quente!