Em 1992, estava eu a viajar pelo interior de Portugal com minha sempre amiga e atriz Giulia Gam. Entramos em Santarém, a uns cem quilômetros de Lisboa. Estávamos a passar diante de uma igreja medieval e a meiga Giulia (a eterna Julieta, do Antunes Filho) pediu que eu parasse. Queria conhecer o templo por dentro.
Ainda na rua, a Giulia descobriu uma inscrição numa pedra antiga com um texto do Pero Vaz de Caminha, justo o da carta do descobrimento.
– O Pero Vaz deve estar enterrado nesta igreja. Vamos lá, disse ela, sempre curiosa.
Entramos, a igreja completamente vazia. Perguntamos à senhora que cuidava do local.
– O Pero Vaz de Caminha não está aqui, não. Quem está enterrado aqui é o Pedro Álvarez Cabral. Lá na frente, ao lado direito do altar-mor.
Realmente lá estava (e ainda está) o homem, enterrado no chão. Escrito: aqui jaz Pedro Álvarez Cabral, descobridor do Brasil. Fotografamos o túmulo do homem. De repente, a Giulia grita e ecoa pela igreja:
– Não acredito! Não acredito! Olha aquilo!
Olhei. Juro que é verdade. Num pequeno altarzinho, acima do túmulo uma pedra de mármore com a seguinte inscrição:
A Pedro Álvarez Cabral, descobridor do Brasil, a homenagem de Paulo Salim Maluf
Lá em Santarém, no centro de Portugal, gente! A Giulia queria roubar a placa e trazer para o Brasil. Mas era muito pesada e não cabia em nenhuma bolsa.
Eu me lembrei desse caso ao ler numa revista, na semana passada, que não foi o Cabral quem nos descobriu, mas sim um desconhecido Pereira. Onde estará enterrado o Pereira, Paulo Salim Maluf? Precisa, urgentemente, mandar fazer uma plaquinha de mármore.
Já ouvi dizer até que o Shakespeare nunca existiu. Até que o homem nunca desceu na lua. E que o Colombo não era genovês nada. Era português nascido numa cidadezinha chamada Cuba. Daí ter dado o nome de sua terra natal à segunda ilha que descobriu no Caribe. Mas o Cabral, gente! Como é que a revista me faz uma safadeza dessa com ele?
E aquela musiquinha seu Cabral vinha navegando, quando alguém logo foi gritando: terra à vista!, foi descoberto o Brasil. Acabaram com o comercial da Varig!
E a carta de Pero Vaz de Caminha ao dom Manuel? Pura literatura, uma vez que o Pereira já devia ter contado tudo. E os degredados que ficaram aqui passando sífilis para as nossas incautas índias? Tudo falso?
Com todo o respeito a todos os Pereiras do Brasil, mas vamos e venhamos: Pereira não é nome de descobridor do Brasil. Cabral soa bem melhor. Ainda mais com um Pedro e um Álvarez antes. Pereira, definitivamente, não me agrada. Isso é nome de dono de padaria. Na melhor das hipóteses, vendedor de pêras.
A Istoé poderia descobrir – por exemplo – que não houve a revolução de 64, ou que aquele gol do Pelé do meio do campo entrou, que o Tiradentes não tinha barba ou outra coisa mais amena. Mas o Pereira, entrando assim, de supetão, na vida da gente… Sem mais nem menos, de uma hora para a outra… Não gostei mesmo.
E o Maluf, coitado, que perdeu tempo e dinheiro levando a pesada plaquinha dele? Deve estar louco, agora, para localizar o Pereira e emplacá-lo devidamente.
Quer dizer então que aquela eterna discussão se o Brasil foi descoberto por acaso ou intencionalmente cai por terra (brasileira)? O problema das calmarias, o desvio da rota, tudo conversa pra boi dormir? A primeira missa, tudo encenação?
E lá, na distante Santarém? Vão desenterrar o Cabral e jogar a placa do Maluf fora? Mandem para a Giulia, por favor.
O brasilianista Mathew Shirts também escreveu no Estadão estar decepcionado. Para ele, o Brasil tinha sido descoberto sem querer, os índios tinham sido aniquilados sem querer, daí veio a escravatura sem querer. Ou seja, o Brasil já estava acostumado a viver sem querer e sem terra.
Ou seja, o Brasil não era, efetivamente, um país sério. A descoberta de Cabral foi o nosso primeiro jeitinho. Agora isso tudo vem por terra (brasileira) abaixo.
Pereira! Vê se pode!!!