O que é isso, ministro Paulo Renato?

Saber que uma crônica minha, publicada no Estadão foi tema da prova de português num vestibular para medicina só me envaidece. O ego dá um pulo. Melhor até mesmo que um elogio no The New York Times (sorry, mas eu tinha de contar).

A crônica imposta aos jovens se chama “As meninas-Moça”. Publicaram a danada inteira e depois fizeram oito perguntas em forma de múltipla escolha. E eu, que escrevi, que sou o autor, errei as oito. Imagino os meninos e as meninas, que querem ser médicos, submetidos a tal dissecação.

Fico aqui me perguntando, ministro, pra que isso? Será que, para cuidar de uma dor de cabeça, um jovem tem de saber se a minha expressão esparramados em seios esplêndidos é uma paráfrase, uma metáfase, uma paródia, uma amplificação ou o resumo de um texto bem conhecido pelo cidadão brasileiro? Com toda a sinceridade, ministro da Educação Paulo Renato, você sabe me responder isso? Algum assessor seu sabe?

A gente educa os filhos direitinho, ensina o que achamos fundamental. Educação, honestidade, indica bons livros, pede para ele torcer pelo Corinthians, apresenta gente decente, paga milhões de reais por bons colégios, ensina inglês e até paga o analista. Para que ele tenha um bom futuro e seja feliz. Meus filhos sabem, por exemplo, o que é larica. Você também sabe. Mas, para ser médico, a larica é outra. Veja mais um exemplo da prova: Larica é larica. Vide dicionário. Aí, para ser médico, o jovem precisa saber se esta pequena frase é poética, fática, metalinguística, emotiva-expressiva, referencial, conativa ou apelativa? O que você acha, Paulo Renato? Eu, larica à parte, não faço a menor ideia.

Será que não teria sido melhor publicar a crônica (como foi feito) e pedir para a garotada escrever o que quisesse, o que achasse, o que bem entendesse do que eu entendi? Deixar o jovem manifestar a sua opinião, fazer a garota escrever no lugar de ficar ticando opções fáticas?

O título da vestibular crônica, já disse, era “As meninas-Moça” e eu me referia ao time feminino de vôlei do Leites Nestlé que ia acabar. Olha o que eles perguntaram aos alunos, sobre o título:

a – ao usar meninas-Moça, não flexionou no plural o segundo elemento porque criou um neologismo, processo que não se submete a normas da língua; b – ao criar um novo vocábulo, não transgrediu as regras de flexão dos compostos; c – usou uma flexão admissível porque o segundo elemento é um nome próprio feminino; d – ao usar a expressão do composto, violentou a regra da língua que preconiza, para esse caso, a variação no plural para os dois elementos; e – usou apropriadamente a forma meninas-Moça, visto que o segundo elemento tem função apositiva.

O que você acha, ministro? Eu, fico entre a e b. Mesmo porque eu não tenho a menor ideia do que seja uma função apositiva. E você, Paulo Renato, vota em quem? F, H, C? Ou A, C, M? Ou M, E, C?

E agora, meu querido ministro, só para terminar a aula, me diga, nas expressões abaixo, onde você identifica um exemplo de intertextualidade:

a – …principalmente o feminino balé de braços, de loiras e altitudes mim; b – Não, leite Moça foi feito para flanar esparramado em seios esplêndidos, chacoalhando no ar, jornadando até as estrelas; c – Aquelas meninas-moças, todas voando pela quadra já fazem parte da latinha; d – Embaixo, está escrito: indústria brasileira; e – … que saem de dentro da lata como que convocadas pelos gênios das lâmpadas que iluminam.

E agora, C, D, ou F?

Já disse lá atrás, ministro e organizadores da prova, que me sinto sinceramente envaidecido com a escolha de um texto meu. Mas jamais poderia imaginar que, ao escrever uma crônica pensando naquelas coxas todas, naqueles seios esparramados pelas quadras, ao escrever um texto de olho na Karin, ao digitar uma crônica preocupado com o  desemprego da minha namorada (que fazia parte da equipe) fosse dar tanta dor de cabeça para dezenas de milhares de jovens que querem apenas uma profissão digna para enobrecer este nosso País tão mal-educado.

Quanto às pernas da Karin, ministro, vá de a, b, c, d e fim de papo.