O leite, única coisa transparente do País

Moça, o leite vem da vaca. Não é nem do super, nem da padaria. E também não nasce em árvore, como o café solúvel ou o vinho. E vaca não é nem a sua sogra, nem muito menos a namorada do seu ex.

Mas os donos das vacas foram mexendo no leite, mexendo e deu no que deu.

Hoje em dia, depois de tomar um copo de leite, não precisa nem lavar o copo.

É como se você estivesse tomando água. Coitada da vaca, seu produto ficou transparente. Duvido que ela saiba que tem até com sabor framboesa. O leite foi mesmo para o brejo.

Antigamente o leite alimentava um batalhão. Um copo de leite por dia e a gente ia vivendo. Era grosso. Fazia bolhas. Tinha nata, cheiro. E, principalmente, consistência.

Não sei quem foi o primeiro idiota a achar que tinha umas coisas no leite que não serviam. E os outros que achavam que estava faltando alguma coisa.

Mexeram tanto que, num deles, vem escrito: este produto não deve ser usado como única fonte de alimentação do lactente. Ainda bem que avisaram, porque colocaram nele um tal de estabilizante citrato de sódio. Ai, se a vaca fica sabendo que acharam o leite dela sem estabilidade.

Depois dividiram em A, B e C. Por classes sociais? Tem que apresentar holerite para comprar o A? E o pobre, bebe aquela água?

Tem um leite que o fabricante transformou (em grande parte, segundo ele mesmo) o açúcar natural em dois açúcares de mais fácil ab258 sorção: glucose e galactose. Ele é semidesnatado. Tiraram só a metade da nata. Menos mal, pois a maioria é completamente desnatada.

Hoje em dia, ostentam nas caixinhas que são leites UHT. E não adianta tentar, que não sintoniza nenhuma estação de rádio. UHT quer dizer ultra-alta pasteurização. Será que a vaquinha sabe quem foi Louis Pasteur, que veio mexer no leite dela, depois de 150 anos?

Tem leite com mais cálcio e leite com mais ferro. Ferro!

Quando você lê que o danado é integral, significa que ele foi colocado primeiro a uma temperatura de 140 graus e depois de alguns segundos, resfriado, gelado. Alguma coisa deve ir para a cucuia numa operação dessas.

Um desses leites diz – orgulhosamente – na embalagem que foram retiradas 70 por cento da gordura. Tiraram também a lactose. E, em baixo, escrevem: alta digestibilidade.

Tudo isso, evidentemente, com um carimbinho do Ministério da Agricultura.

E, depois de inventarem o leite de longa vida, agora tem um que se chama toda vida.

Se eu fosse vaca, eu parava de dar leite para esses fabricantes. Voltaria a expressão: ah é, Bebé, mamá na vaca cê não qué, né? Pois eu ando querendo.

Pois imagine você se fizessem o que estão fazendo com as vacas, com a senhora sua mãe. Pensa bem. O bebê ali esperando, faminto, e as fábricas a darem um trato no leite materno. Mais ferro, menos gordura, eleva a temperatura para 140 graus, agora abaixa depressa, cuidado com a lactose!

Vai cloro aí? Se bem que eu desconfio que daqui a uns anos as mamas maternas vão produzir leites de silicone. Mas isso ainda vai demorar uns dez anos.

Fique calma.

Mas os fabricantes estão atentos com o mundo moderno. Todos eles afirmam que a embalagem é reciclável. E escrevem em todas elas: proteja a natureza!

Verdade.

Daqui a pouco vai ser a vez da água. Vão começar a tirar dela ou o H ou o O.

Água totalmente sem O! Só H2! O O não está com nada! E vão injetar umas coisas na pobre da água que, se você não sabe, não vem da torneira, não. Vem de um negócio chamado rio que em dicionários antigos é descrito como curso de água natural.

O meu medo é que quando clonarem a vaca, já a clonem desnatada, esquentada, com pouca lactose. Acho que o boi vai estrilar, já que o ser humano não está nem aí. Nem que a vaca tussa.