Cada vez chego mais à conclusão que não existe nada mais melindroso do que um churrasco caseiro. E, ao mesmo tempo, relaxante.
Sim, porque no Brasil todo mundo entende de duas coisas: ou é metido a ser técnico de futebol ou a fazer churrasco. Têm os que sabem. E têm os outros. E é muito difícil você ver alguém fazendo um churrasco e não dar pelo menos um palpite. E o churrasqueiro de plantão sabe que, se sucumbir ao primeiro investimento alheio, terá de aturar o chato até o fim da tarde.
Os palpites já começam na hora de acender o fogo.
– Você não tem aquele negocinho para colocar embaixo, que fica pegando fogo?
– Com jornal! Pega os classificados!
– O Caderno2, não!!!
– Se não abanar, não vai pegar. Vai por mim.
– Colocou muito carvão. Vai sufocar o fogo. Não disse?
– Tá muito alto. Joga água!
– Não falei para não jogar água? Olha aí, apagou.
– Você é que não abanou. Dá licença?
Fogo pronto, todo mundo já na segunda caipirinha, as esposas lá do outro lado. Se tem uma coisa que mulher não entende é de churrasco. Participam, no máximo, com a salada e os gritos de: amor, traz mais um pano de prato?
Aí começam os palpites pra valer:
– Se eu fosse você, colocava a linguiça na parte de baixo.
– O quê??? Vai fatiar a picanha? Peloamordedeus, isso é uma infâmia!
– Olha, sem querer ser chato, mas eu acho melhor colocar a gordura para o lado de baixo. Depois virar. E não virar mais.
– O problema do lombo é que demora mais. Precisa ficar embaixo.
Muita gordura, meu.
– Tá vendo?, pinga a gordura e o fogo sobe. Assim não vai dar. Joga a água.
– Limão? Na picanha?
– Aquela linguiça ali já não está boa? Cadê o pão?
– O que é isso? Salmoura? No meu churrasco, não!!!
– Mas não fui eu quem ficou de comprar o pão. Clotilde! Não tem pão!!!
– Me dá licença? Posso virar a costela? O que é isso que você colocou aqui? Orégano??? Tá doido, cara?
– Salmoura, onde já se viu…
– De peixe eu entendo. Só sal e limão. Não, cara, sal grosso, não. Sal fino. Põe por dentro. Assim, ó. Tem papel laminado, não?
Já está todo mundo ali a ponto de enfiar o espeto no colega de repartição quando começam a chegar as crianças.
– Já tem linguiça, paiê?
– Já disse que eu chamo. É surdo?
É quando chega o colega retardatário e, antes de cumprimentar?
– Esse fogo tá muito alto. Com licença. Se tem uma coisa que eu entendo é de churrasco, Edgar. Deixa comigo. Quem é que está fazendo a caipirinha? Muito açúcar. Tá um melado isso aqui.
– Põe mais carvão, Souzinha.
– Queimei o dedo!
– Sei não, eu, por mim, virava essa picanha. Vai torrar, cara.
– Você precisa comprar uma faca melhor. Olha aí. Isso aqui está estragando a carne.
– Joaninha, cadê a faca boa? Aquela que o seu pai me deu?
– Cuidado que tá quente, filho. Não disse? Não me ouve…
– Mas não tem nem uma manteiguinha para passar na batata, Nestor?
– Clotilde!!! Eu já não disse que margarina não serve? Olhaí, derrete muito rápido, esfria a batata. Ah, meu Deus do céu!
E por aí vai, até escurecer e o fogo apagar de vez.
Existe uma teoria psicanalítica de que quem faz churrasco não precisa fazer terapia. Que os grandes e amadores churrasqueiros são todos pessoas muito bem resolvidas.
Deve ser verdade, pois colocam avental com uma feminilidade cativante. Ficam – dois ou três homenzarrões abraçados – olhando por horas e horas para o fogo ardente, brigando e discutindo como se fossem marido e mulher. Já notou? Já notou quando um queima o dedo, com que carinho é tratado pelos outros? Já vi barbudo chupar o dedo do outro ali, ao lado das brasas da amizade.
Se não houvesse o churrasco caseiro, os homens seriam muito mais tristes, muito mais violentos.
Fazer um churrasco num sábado resolve todos os problemas da firma, do casamento e dos filhos. O homem vira um herói de si mesmo.