Até nas palavras cruzadas você bate com ele. Tá lá: símbolo máximo da burocracia. Sete letras. É ele: o carimbo.
Não sei quando surgiu o carimbo. Mas sei que nunca vai sumir das nossas vidas. Ele é intemporal. O mundo roda, (até) a lusitana gira, e o carimbo ali. Se na receita médica não tiver o carimbo, você morre. Não basta você ter câncer. Tem de ter o carimbo também. Não basta a dor de cabeça. Tem de ter mais dor de cabeça.
Sem ele você não é nada. Nada! Já escrevi aqui sobre uma ida ao cartório. Estão modernos, cheios de computadores. Mas depois que a gordinha faz tudo com o computador, ele surge, incólume, colosso, no papel. A funcionária quase tem um orgasmo quando dá aquela porrada. O carimbo é superior ao computador. Ignora os tempos modernos. Fica na dele. E nos nossos papéis.
Tudo aquilo que o médico te disse não vale nada se ele não carimbar. O carimbo vale mais do que a assinatura dele. Vale mais do que os seis anos de faculdade e os 30 de experiência.
O carimbo deveria, portanto, ser de difícil acesso e confecção. Para se fazer um carimbo, deveria haver mil burocracias, tal a sua importância. Mas não. Ali mesmo, na esquina, você faz o carimbo que quiser, com os dizeres que pretender. Pode mandar fazer um carimbo da Presidência da República e sair por aí carimbando, baixando medidas provisórias e dizendo que está tudo bem. Pode fazer carimbos dizendo que o dólar vai baixar. Pode fazer carimbos de médicos, até mesmo de cartórios.
Se existe algum lugar no Brasil onde não existe nenhuma burocracia é nas lojinhas que fazem carimbo. Ou seja, pra fazer um carimbo, você não precisa carimbar nada. Mesmo assim, não adianta:
– O senhor vai me desculpar, mas sem carimbo…
Outro dia, eu fiz um trabalho para uma agência de publicidade. Uma das mais criativas do País. Só tem gênio lá dentro. Isso, aliás, é uma redundância, pois é sabido que todo publicitário é gênio. Não tem publicitário mais ou menos. Todos, sem exceção, são gênios. Figurinhas carimbadas.
Mas o problema é que o meu cachê não saiu no dia que tinha de sair. Depois de uma semana, nada. Ligo para a diretora da agência.
– Sabe o que foi? Você esqueceu de colocar o carimbo da sua empresa no recibo.
Isso significava que eu tinha de fazer outro recibo, carimbar, mandar levar lá, etc., etc., esperar cinco dias úteis, o meu papel passar por vários departamentos, receber vários carimbos e eu receber a grana. Como não tinha outro jeito, fiz o novo recibo, carimbadíssimo:
Recibo
Declaro que recebi a quantia de X (xis) reais da agência Z (zê), após mandar a minha empregada confeccionar um carimbo fajuto na esquina aqui de casa, de uma firma fajuta, de um endereço fajuto, na cidade de Vargem Grande Paulista, onde nunca estive e nunca carimbei. Carimbo ao custo de três reais e cinquenta centavos, feito em sete minutos, pois, sem ele, não poderia, em hipótese alguma, receber a supra mencionada quantia.
Carimbo este, símbolo máximo da honestidade burocrática ibérica, herança de nossos ancestrais portugueses, introduzido nessas bandas por meio do nosso primeiro documento, a carta de Caminha.
Tem um carimbo lá, sim senhora. Carimbo este que vale muito mais que os X (xis) reais, muito mais que os 38 anos do meu ofício, muito mais que o meu talento para beber e vender cerveja, que foi o que eu fiz para a agência. Carimbo este, carimbado com carinho para ser admirado pelos amigos e amigas da agência, a quem agradeço a oportunidade do trabalho e para quem coloco (eu e meu carimbo) à disposição para novas carimbadas em futuro a ser fixado e devidamente carimbado.
Com carinho, carimbo e afeto, modestamente carimbo.
Mario Alberto Campos de Morais Prata (tarimbado e carimbado diretor-presidente da Ponto e Vírgula Produções Artísticas Ltda).