O CA

Antes:

– Dói, entende, Mario? Aqui dentro. É como se tivesse um punhal me rasgando as vísceras.

– Deixa de ser dramático, Alberto! Acontece com qualquer um. É normal…

– Normal, Mario? Encontrar a sua mulher com o seu chefe, na garagem do prédio, dentro do carro? Do meu carro???

– Isso passa…

– Onde foi que errei? Pensa que eu não compareço sempre? Tou sempre ali. Toda quarta e sábado. Tem os filhos… Que merda!

– Você não está pensando em se separar por causa disso, né, Alberto?

Depois cicatriza.

– Cicatriza… Você fala isso porque não é com você! A essa altura a repartição toda sabe.

– Pois é aí que está o problema, Alberto. O problema de… Levar uma chifrada…

– Corno! Pode usar a palavra corno!

– Como eu ia dizendo, o problema de ser corno não é o ser corno em si. O problema é o corno achar que todo mundo no mundo sabe que ele é corno. Até o porteiro. Você passa e pensa: o filho da puta deve estar dizendo lá vai o corno… Você vai comprar ingresso para o cinema, olha para a mocinha e tem certeza que ela sabe, apesar de nunca ter te visto. É isso que dói. Os outros!

– É isso! Por aí… Como é que você sabe disso? Não vai me dizer que a Magali…

– Também sou corno, cara… Ou fui. Mas não me preocupo mais com isso.

– A Magali, gordinha – desculpa – daquele jeito.

– A Magali… Fiquei assim, como você está agora.

– Quanto tempo demora pra gente voltar ao normal?

– Conhece o AA e o NA?

– Alcoólicos Anônimos e Neuróticos Anônimos? O que isso tem a ver com a nossa situação? Mas a Magali, quem diria…

– É que tem também o CA. Cornos Anônimos.

– Deixa de besteira, cara.

– Te dizendo. Frequento há quase cinco anos.

– Cornos Anônimos, imagina!

– Te juro, fica atrás de uma igreja.

– Sei, e na frente uma tabuleta: Cornos Anônimos! Sacanagem, Alberto, tou falando sério.

– Mas eu também. Toda vez que ver uma plaquinha de AA – São Cornélio, é lá. Só corno e quem frequenta é quem sabe. Sabe aquela igreja em frente ao meu prédio? Lá tem. Toda segunda-feira oito da noite.

– Tu tá me gozando.

– Acredite se quiser. Aquilo salvou a minha vida. Hoje eu sou um corno tranquilo.

– Manso, você quer dizer.

– Tranquilo. O que você vai fazer nessa segunda-feira? Todo mundo conta as suas experiências, você não precisa dizer o teu nome verdadeiro. Lá eu sou Edgard.

– Bom nome pra corno. Tu tá me gozando.

– Você vai ouvir histórias de corno, que encontrar a mulher beijando o chefe na garagem é pinto. Você vai se sentir aliviado.

– Nem me fale nessa palavra!

– Pinto ou viado?

– Segunda-feira, oito da noite…?

Depois:

– O que você achou?

– Rapaz, eu estou impressionado. Em vários sentidos. Vários.

– Eu disse que não precisava vir com esse puta óculos escuros. Aqui ninguém se esconde.

– A primeira coisa que me impressionou foi que todos, sem tirar nem pôr, têm cara de corno. Impressionante.

– Que mais?

– A calma como eles contam cada caso. Realmente o que aconteceu comigo foi… Como diria?

– Pinto?

– Não enche. Segunda que vem venho sem óculos.

– E são pessoas iguais a nós…

– Exatamente. Saí mais leve, sabe, como se tivesse ido buscar o resultado de um exame de sangue… e negativo! Olha, Mario, te agradeço. Eu diria até que me sinto bem como corno. A gente fica pensando é que só com a gente… Não tou nem mais com raiva do gerente.

– Pode ter certeza que alguém come a mulher dele. É um círculo vicioso…

– Incrível. Doido pra chegar em casa, beijar as crianças, a patroa e tocar a vida. Mas segunda a gente volta, né?

– Claro. Você ainda não assumiu que foi só um beijo que você viu na garagem!

– Como que você sabe?

– No CA a gente sabe de tudo. Vamos tomar uma cervejinha? Eu pago.

– Incrível… Pensando bem, esse negócio de chifre é um negócio que colocam na cabeça da gente e…