Conheço muita gente – e você também – cuja meta é carro. O carro é a extensão dele (ou dela). Cuida como se fosse um filho ou amante. Dá banho, mamadeira, dá tapinha, alisa, brilha e desfila pela cidade. Lava e passa. Ai de quem fizer um arranhãozinho naquela viatura.
Pode estar devendo, infeliz, quebrado, mal-amado e até sujo na praça; mas o carrão está lá. Pode ser um corno, um comborço, de direita ou de esquerda, palmeirense ou fluminense. Não importa. O que importa é o carro. E, já que importa, se possível importado.
A relação ego-carro no Brasil é mais ou menos doentia. Na Europa – que nós adoramos chamar de primeiro mundo – mal lavam os seus carros. Lá, os carros têm a finalidade para a qual foram inventados e construídos: transportar pessoas. Aqui transportam egos.
(Antes que alguém aí diga que estou a escrever isso aqui porque devo ter um carro muito do mixuruca, vou dizendo que não procede. Tenho um carro normal)
Continuemos. Dizia eu então que o sujeito entra naquele carrão, naquela extensão da própria alma e adora quando fecha o sinal. Todo mundo olha para o carro e, na sequência, para ele. Para ele, que está lá com a cara de não é nem com ele. Essas pessoas desenvolvem um tipo da cara estática apenas para usarem (ou seria usar?) nos sinais e nos congestionamentos. Já notou? Ficam com uma cara meio parada, cara de frigobar.
Mas aí, mas aí a cidade que eles escolheram para mostrar o carro e a cara, foi ficando cada vez mais violência. Eles brindaram o carro. Foi ficando pior ainda. Aí surgiu o grande sucesso da primeira década no novo século: o insulfilm. E o que é o insufilm? É aquela camada mais escura que estão colocando nos vidros dos carros. Ele impede que quem está fora veja quem está dentro. Em matéria de segurança eu confesso que não peguei a coisa. Mas é a moda. E todo mundo começou a colocar insulfilm nos seus carrões. Seria o máximo do máximo de status. Aquele carrão e agora, versão 2002, avec insulfilm.
E eu fico no sinal a olhar aqueles carros todos com o insulfilm. E me esforço, me esforço muito para ver quem é que está lá dentro, se está lá o dono do sorriso frigobar. Mas eu não o vejo mais. E ele sabe disso.
Mas tenho certeza que tem alguém lá dentro triste, acabrunhado. Deu um duro danado para comprar aquela máquina e ninguém sabe que é ele quem está lá dentro. Com aquele sorriso de bundão.