Minhas Vidas Passadas (a limpo)

Editora Globo, 1998. Relançado em 2012 pela Editora Planeta.

Na capa deste livro, o autor faz questão de afirmar que esta obra é de ficção. Ficção de Mario Prata? Que me perdoe o meu ex-paciente – e hoje meu amigo. Acompanhei todos os seus passos em vidas passadas. Mas ele – e deve ter os seus motivos — insiste em afirmar que tudo o que lerão nestas páginas saiu da cabeça dele. Sim, saiu, mas através da regressão para mais de dez pessoas que ele já foi. E, não sei bem por quê, ele deixa quatro de suas vidas passadas de lado e só apresenta os personagens bonzinhos, de bom caráter. Por que não falou das estripulias do garoto João Pedro, que ele foi — morreu com 10 anos — na corte de Dom João VI no Brasil? Por que não falou do Buck Silver, — fiel escudeiro do Buffalo Bill, sanguinários no Velho Oeste? E quando ele foi filho bastardo da dona Beja, no Araxá? E tem mais, muito mais. Quem sabe, num próximo livro, ele seja mais corajoso?

Por enquanto, fique com Ana, Gemma, Johnny, Anhangá, Frei Henriquinho e Georgette. Ah, Georgette! Velhas e velhos mariopratas por quem fiquei apaixonado. Como espero que você também fique. Só que tem que comprar o livro, pois mais não digo.

Professor Doutor Leonardo Ramos
Psiquiatra e psicanalista

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Trecho do livro

Leonardo: Onde você está?

Ana: Na rua, numa espécie de mercado. As pessoas estão vendendo nozes e amêndoas torradas. Sou uma mulher. Mas ainda está tudo um pouco nublado.

Leonardo: Você está se vendo?

Ana: Sim, como se eu estivesse me vendo de fora, entende? Sou uma mulher… bonita… Uns vinte e cinco anos, mais ou menos.

Leonardo: Como você está vestida?

Ana: Uma túnica. Percebo que as túnicas das mulheres são maiores que as dos homens. Amarela. Por cima uma pella.

Leonardo: Pella?

Ana: Sim. Uma capa parecida com uma toga. Azul. Uma tiara no cabelo. Uma tornozeleira de ouro. Ou alguma coisa parecida com ouro. Anéis. Uma sandália de couro cru, presa por tiras do mesmo material.

Leonardo: Que época é?

Ana: Agora estou vendo minhas duas irmãs chegando. Marta e Maria. Agora está tudo claro. Meu nome é Ana de Betania.

Leonardo: Ana de Betania?

Ana: Sim. Betania, uma aldeia entre Belém e Jerusalém, na Palestina. A uma hora de Jerusalém. Minhas irmãs parecem apreensivas.

Leonardo: Elas se vestem como você?

Ana: Sim, mas usam fitas nos cabelos.

Leonardo: Sabe em que ano você está?

Ana: Jesus nasceu há trinta e dois anos.

Leonardo: Você conheceu Jesus?

Ana: Muito. Ele ia muito à minha taberna. Ele e os seguidores dele, chamados de discípulos, apóstolos, alunos. A palavra apóstolo não é aramaica. É grega. Significa “enviado”. Eu era cozinheira, mas sabia ler e escrever.

Leonardo: Nesta época as mulheres estudavam?

Ana: Poucas.

Leonardo: Trabalhavam?

Ana: Quase nenhuma. Meu caso era especial. Em geral, as mulheres ficavam em casa fiando e tecendo a lã.

Leonardo: Você trabalhava por quê?

Ana: É que após o parto, a mulher era considerada imunda e tinha que se purificar. No caso de bebê macho, era considerada imunda por sete dias. No oitavo, no menino, era feita a tircumtisione e depois a purificação continuava por trinta e três dias. Se o bebê fosse menina, a mulher era considerada imunda em dobro. Duas semanas sem sexo, como na menstruação, e mais sessenta e seis dias.

Leonardo: E o que tem isso com o fato de você trabalhar?

Ana: É que eu fiz sexo com o meu marido catorze dias depois do parto de uma menina. Não ia esperar quase três meses. A Torá não me perdoou. Tive que viver sozinha.

Leonardo: Torá?

Ana: O livro santo, a verdadeira lei dos judeus. Abri uma espécie de taberna.

Autor: Mas, Leonardo, logo de cara uma mulher?

Leonardo: Você era amiga de Jesus!

Autor: Amigo! Amigo! Olha, Leonardo, eu não estou acreditando nisso, não. E nem gostando. É melhor a gente parar por aqui. Imagina, amiga de Jesus Cristo. Não me faltava mais nada.

Leonardo: Vamos lá.Vamos relaxar. Quero que você me fale de Jesus.

Autor: Aramaico, um dialeto hebraico… Isso é muito lonco, Leonardo. Imagina se alguém vai acreditar num absurdo desses. Jura não contar pra ninguém?

Leonardo: Vamos, relaxe… Relaxe… Mais, solta 0 corpo… Sem medo. Isso. Vamos, Ana. Dez, nove…

Marta: Simão Pedro, Tiago, o filho de Zebedeu, e Judas Iscariotes mandaram um mensageiro.

Ana: Como está Jesus?

Maria: Com problemas. Como sempre.

Marta: Quero que você esteja na taberna hoje no final da tarde. Vão comer lá. Trazem uma mensagem de Jesus, que está para chegar, a caminho de Jerusalém.

Ana: Pois digam ao mensageiro que estarei esperando. Com um bom vinho italiano, da Campania. Ou, se
preferirem, um vinho do Lácio, de um vinhedo plantado no meio do pantano pontino.

Marta: Contrabando?

Ana: Muitas dracmas e alguns denários… E Lázaro, nosso irmão, melhorou?

Maria: Nossa última esperança é Jesus.

Autor: Leonardo, eu não posso estar sendo induzido por você, por exemplo, para, hipnotizado, dizer essas coisas todas?

Leonardo: Você fala aramaico?

Autor: Claro que não. Um pouco de latim. E você, fala aramaico?

Leonardo: Claro que não. Você está com medo? Podemos continuar outro dia. Ou mudar de tratamento.

Autor: Claro que eu estou com medo. Sei lá aonde é que isso vai dar, porra! O mais estranho é que eu vejo a cena e, ao mesmo tempo, sou a cena. É como se eu tivesse tomado uns ácidos.

Leonardo: É, a comparação não está de todo errada. E o aumento da percepção de dezoito por cento para quase cem.

Autor: Vamos lá, vá. Seja o que Deus quiser. Ou melhor, Jesus. Solta a fita.