Ao lado do meu prédio construíram um enorme edifício de apartamentos. Onde antes eram cinco românticas casinhas geminadas, hoje se instalaram mais de vinte andares. Da minha sala, vejo as varandas (estilo mediterrâneo) do novo monstro. Devem distar uns trinta metros, não mais.
E foi numa dessas varandas que o fato se deu.
Cheguei tarde em casa, depois de uma noitada na casa de uns amigos. Talvez eu tenha tomado uns uísques a mais. Não me lembro bem. Mas, para minha surpresa, ela estava lá, na varanda do prédio ao lado.
Assim que acendi a luz da minha sala, vislumbrei a mulher na varanda. Imediatamente apaguei a luz. Se ela me visse, sairia dali, entraria. Apaguei a luz e abaixei um pouco a cortina. Voyeurismo e mixoscopia, quem não há de?
A mulher parecia dançar. E aparecia estar nua. Era iluminada apenas por uma tênue luz que vinha lá de dentro do apartamento dela. Não conseguia ouvir a música, mas que ela dançava eu não tinha dúvida.
Para quem aquela mulher dançava àquela hora da madrugada? Para mim, claro. Era alta, devia ter uns um e oitenta de altura. E os cabelos então? Enormes, esvoaçantes, sensuais, encaracolados, talvez. O cabelo subia e descia sobre os seios que eu já estava quase a ver.
Procurei o binóculo do meu filho e nada. Entrei no quarto dele e, sem o acordar, tentei ver se a posição pela janela dali era melhor. Era. E, se era, do banheiro seria melhor ainda. Fui para o banheiro, coloquei uma cadeira em cima da banheira e fiquei lá, no escurinho do meu cinema, me equilibrando e vendo a dança do ventre da minha vizinha mal iluminada. E gostosa. Como era gostosa a minha vizinha.
Como é que eu não sabia que uma figura daquela tinha se mudado para a minha visão? Sim, o apartamento havia sido ocupado naquela semana. Durante as tardes gosto de ficar olhando os vizinhos. E eles a mim.
A impressão é que ela dançava junto com o vento. Ventava um vento quente de primavera. Como dançava bem, como remexia as melenas desgrenhadas de um lado para o outro…
Eu já estava empoleirado lá no banheiro há bem mais de meia hora e a mulher não parava de dançar. Pensei em pegar uma lanterna e iluminar tudo. Mas aí perderia o encanto, o canto dos ventos, o cantar dos seus cabelos e ela iria entrar. Ia me descobrir e talvez nunca mais me oferecer aquele espetáculo mágico e noturno.
Já que estava no banheiro, tomei um banho, coloquei meu pijama de seda dourado (presente da Eugénia de Melo e Castro), tomei meu Lexotan e fui dormir. Tentar dormir.
Não conseguia. Depois de mais meia-hora dei uma levantadinha e fui olhar. Incrível, ela ainda dançava. Agora mais freneticamente ainda. Requebrava os quadris como nunca.
Na manhã seguinte acordei e a primeira coisa que fiz foi ver se ela ainda estava lá. Estava. Juro. E ainda dançava.
Só que não era nenhuma mulata escultural como eu imaginava. Ela uma maravilhosa samambaia presa no teto da varanda que escorregava seus galhos e suas folhas até o chão e dançava sim, embalada pelo vento matinal da primavera.
Ainda agora, escrevendo esta crônica, olho para ela. E ela para mim, como se a balançar o braço, me chamando para um amor ecológico.
Anseio pela noite que vem aí. Ela sabe que eu vou estar na janela. Desta vez de luz acesa, sem disfarces. Se eu tiver coragem, hoje de noite eu a peço em casamento. Depende das doses de uísque.
PS – Acabo de descobrir, no Aurélio, que samambaia também é conhecida como sambambaia. Taí a explicação.