Há exatos 30 anos esta frase saiu no Estadão (ou foi no JT?). Dia 5 de novembro de 1969. E quem a cometeu, toda orgulhosa e faceira, foi uma jovem de 23 anos. O nome dela era Ana. Ana Paula. Ou Ana Lúcia? Ela havia participado da execução de Carlos Marighela, ali na Casa Branca, em frente ao número 851.
Eu também tinha 23 anos e nunca esqueci a frase dita pelo orelhão. Nunca: mãe, adivinha quem a gente matou hoje.
Principalmente ontem cedo, quando aconteceu uma homenagem lá, no mesmo lugar. Tem lá, agora, uma placa. Aqui foi assassinado Carlos Marighela, pela ditadura militar.
Me lembro que a assassina Ana era loira, bonita. Além de ter mãe eu nada mais sabia sobre ela. E nunca mais soube.
E ontem, lá, ouvindo companheiros já de cabelos brancos assoviando a Internacional, procurei pela Ana. Dizem que os assassinos sempre voltam ao local do crime. Fiquei imaginando como aquela garota estaria hoje, aos 53 anos. Viva? Ainda se ufanando de ter matado aquele brasileiro. Já avó? Será que ela conta para os netinhos dela quem foi que a vovó matou ontem?
Será que ela, hoje, tem noção que ela não matou ninguém? Que o Carlos Marighela tava lá, vivo, tomando sol, cheio de filhos, sobrinhas e netos, em volta? Será que ela passou por lá para ver a viúva Clara, resplandecente e linda, toda de branco, inclusive os cabelos? Será que ela ouviu o que o filho do Carlos – a cara dele – disse?
Será que ela viu o professor Antonio Cândido acompanhando a cerimônia, incógnito no meio da multidão?
Será que ela sabe mesmo quem foi (e é) Carlos Marighela?
Ou será que ela já morreu (e não sabe) e está enterrada junto com os ditadores militares?
Você não matou ninguém, vovó! E nem viveu.