Imprensa
- Mario Prata lança folhetim com herói sem caráter (Estadão, 20/11/1993)
- Folhetim de Mario Prata sai em livro (Estadão, 13/10/1994)
- Em busca do tempo perdido de James Lins (Estadão/Matthew Shirts, 1994)
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Sobre
Publicado pela primeira vez em 1994, mas não no formato tradicional de um livro, James Lins surpreendeu os leitores com os capítulos que apareciam no Estado de S. Paulo, no estilo dos antigos folhetins. Mario Prata – ou seria o próprio James? – criou uma história inusitada e muito divertida. Segundo o próprio autor conta, “gente escreveu carta protestando, dizendo que um jornal sério como o Estadão não podia sair publicando literatura de presidiário. Teve uma mulher que escrevia como se fosse a mãe do James”. Tudo isso não aconteceu por acaso. Neste livro, Mario Prata narra em primeira pessoa e em tempo real todos os acontecimentos que se seguiram à prisão de James Lins, seu amigo de infância. Os encontros com ele na penitenciária, a reação da mãe e de Teka, grande amor de James, a ex-mulher e os filhos, e toda a polêmica que se criou em torno da autoria do livro que, segundo James, seria dele e não de Mario Prata.
Mais um prefácio desinterantíssimo
Hoje acordei com uma opinião, e vou contá-la para vocês enquanto não começa este James Lins, o playboy que não deu certo.
A opinião é a seguinte: o Mario Prata e o Luis Fernando Veríssimo são os maiores entertainers por escrito do Brasil. Escrevem para divertir (o que não deixa de incluir sentimentos e filosofadas eventuais) e devem se divertir muito escrevendo. Por coincidência, os dois aparecem no Estadão, o que suaviza um pouco a experiência cada vez mais assustadora de ler jornal nesses tempos violentos.
James Lins, como todo mundo sabe, foi publicado neste ano de 1994 como folhetim no Estadão. Com exceção de uma experiência do amazonense Márcio Souza há mais de dez anos na Folha de S. Paulo, num caderno que se chamava justamente Folhetim, não tenho notícia de nenhum outro folhetim que tenha sido publicado em jornal de grande circulação recentemente. Em 1951, com o advento do jornal Última Hora, no Rio, o gênero, que andava desaparecido desde os anos 20, depois de seus anos de glória no século passado, voltava com tudo à cena. Bonitinha mas Ordinária, de Nelson Rodrigues, por exemplo, escrita em cima dos fatos do cotidiano carioca, foi um tremendo sucesso. Literatura popular revelava-se um importante atrativo mercadológico para um jornal moderno. Mas já na década de 70 a novela televisiva viria desbancar de novo o folhetim, e o próprio jornal Última Hora andava pelas últimas, vindo a falecer logo depois.
E eis que o nosso Prata da casa, apoiado pela direção do Estadão, se meteu a tirar o folhetim do limbo. Seus trabalhos ao longo dos anos têm saído do forno em vários formatos: peças de teatro (Besame Mucho), roteiros de TV (Estúpido Cupido) e cinema (O Testamento do Senhor Nepomuceno), dicionário antropológico-satírico sobre o português falado em Portugal (Schifaizfavoire), crônicas (muita gente não encara uma quarta-feira antes de ler o Prata no Estadão), histórias infantis (O Homem que Soltava Pum), e agora este… romance?, minissérie (como quer o autor)?, coletânea de historietas picarescas, vividas e inventadas?, comédia de (maus) costumes? James Lins é tudo isso e mais alguma coisa. Reflete, em sua construção, o ecletismo escrevinhador do Pratinha.
Temos aqui uma habilíssima colagem de formatos de texto. Do estilo biográfico-memorialístico passamos ao cartorial-advocatício, daí ao jornalístico, depois ao epistolar, ao malandrês, e assim por diante, numa narrativa cheia de surpresas formais, sem prejuízo da fluidez quase hipnótica da leitura.
O grande barato, porém, é a multiplicação de narradores que acontece no texto. E narradores que brigam entre si, ajudando a botar lenha na fogueira da história. O próprio autor, muito do metidinho, se transforma em personagem e passa a polemizar com os co-autores que se apresentam espontaneamente, muitos por carta.
Várias dessas cartas de leitores são reais, e pelo menos um outro autor famoso, o Loyola Brandão, comparece dessa maneira sob pseudônimos. Um doce para quem adivinhar quem é o Loyola entre os missivistas. Mas isso ainda é o de menos perto da força da imaginação picaresca, transgressora, surreal do Pratinha. Gente, o cara é doidaço!
Imaginem uma freira que fatia e come os próprios peitos em praça pública, oferecendo nacos aos transeuntes, sendo que os peitos são duas rotundas mortadelas e a freira um meliante fugido do Carandiru. E o que pensar de estalactites espermáticas que começam a pingar do teto de um vestiário feminino sobre a mulherada nua antes que uma verdadeira chuva de moleques punheteiros despenque lá de cima junto com o forro? Não por acaso Mario Alberto Campos de Morais Prata é primo de Campos de Carvalho, o surrealista tardio que escreveu A Vaca do Nariz Sutil, O Púcaro Búlgaro e A Lua Vem da Ásia, clássicos do gênero no Brasil.
E por falar em estalactites espermáticas, nas passagens de memorialismo explícito do livro, um dos temas mais recorrentes é justamente a emergência da sexualidade masculina adolescente, versão interiorana, ou seja, aquele tesão ornado de excentricidades fellinianas.
Há um certo padre de um internato dos anos 50, por exemplo, que zela pelo pudor peniano dos internos adormecidos de uma forma bastante curiosa, até mesmo angelical, que eu, lógico, não vou contar pra não perder a graça. Encontramos em James Lins mil e uma histórias deliciosas envolvendo esse tema tão eterno quanto a própria reprodução humana. São quase todas verídicas, pelo menos até onde se pode confiar na memória de um ficcionista. E no caso do imaginativo (e um tanto alucinado) Mario Prata, não se pode muito, para sorte nossa.
No estranho mundo de James Lins, rola de tudo. Inclusive fartas doses de realidade factual, em sintonia com o ambiente noticioso que o cerca no jornal diário. Escrevendo cada capítulo apenas dois ou três dias antes da sua publicação (James Lins saía às quartas, sábados e domingos), Prata casava a ficção com o noticiário quente do dia-a-dia. PC Farias, referência constante do personagem central do livro, que o diga. O resultado é que o plano ficcional, mesmo em seus momentos mais hilariamente destrambelhados, adquire um jeitão de realidade. E a realidade do noticiário parece um conto da carochinha, a fronteira entre os dois mundos simplesmente se dilui.
Como diz o próprio James Lins: “A única coisa que o homem consegue criar é o passado”. Ora, se pode criá-lo, pode também recriá-lo, com o perdão dos professores de lógica formal da USP.
Acho que deu, como prefácio, né? Melhor parar por aqui, porque já está me dando vontade de entrar eu também como personagem-autor na história do Prata e convidar a Nicinha, sabe a Nicinha?, aquela coroa fogosa, prum chope, sei lá, um cineminha, e daí quem sabe se não…
Reinaldo Moraes