Acredite quem quiser. Estava eu ajoelhado, tentando a sintonia de um canal de televisão, o telefone tocou e eu me levantei abruptamente. Resultado, uma lesão no menisco e um deslocamento da rótula. O resultado da ressonância magnética era assustador: lesão no corno posterior meniscal. Podia contar com tudo, menos que o meu menisco tivesse levado um corno. E o pior: posterior.
– Pijama e cama!, como diria meu velho pai médico.
E aqui estou eu na cama, imobilizado. Levei de tudo para os arredores: telefone sem fio, cigarros, cinzeiro, uma garrafa de cachaça, cinco ou seis livros, gelo e bolsa de água quente. Levantar só para ir ao banheiro. E eu ali, Coca de um lado, antiinflamatório do outro. Só faltam mesmo um penico e uma escarradeira.
Penico todo mundo sabe o que é. Mas como eu não queria pedir penico, que é pedir arreglo, deixei pra lá. Mas escarradeira, pouco gente sabe ou lembra do que se trata, apesar do escancarado do nome.
Coisa de antigamente, da casa da vó, influência francesa. Existiam escarradeiras lindas, importadas, umas de metal mesmo, outras esmaltadas e, dizem, tinha gente que usava até escarradeiras de ouro. Ficavam distribuídas estrategicamente pelos cantos dos cômodos e as pessoas escarravam lá dentro. Tinha gente que se gabava de acertar a cuspida de uns três ou quatro metros. Era chique ter várias escarradeiras em casa. Na época dava status. Mais chique ainda, acertar o escarro lá dentro. Era normal, educado. Os escravos que se virassem com aquilo depois.
E ao pensar na escarradeira, me lembrei de duas histórias.
Um sujeito simples, simplório, foi visitar uma família de ricos e elegantes. A visita nem havia recebido o primeiro cafezinho e deu a maior escarrada no chão brilhante da sala. A dona da casa, fina e educada, pegou a belíssima escarradeira esmaltada e com flores em alto relevo nas laterais e colocou mais perto do constipado visitante. Na segunda vez ele escarrou na outra direção, na direção oposta onde estava o objeto. Mais uma vez a senhora pegou o finíssimo objeto e levou para aquele lado. Daí então ele cuspiu lá pra frente. A dona levou a escarradeira para aquele lado, para ver se ele se mancava. E ele se mancou, dizendo:
– Olha dona, se a senhora não tirar essa coisa aí da minha frente, eu vou acabar cuspindo dentro dela!
A outra história é narrada pelo Pedro Nava, no seu livro O Baú de Ossos. Lá na Bahia um sujeito casou-se com uma donzela. Começo do século. No dia da primeira noite descobriu que a moça não era virgem e a devolveu para a família. A menina, coitada, jurava que nem com o dedo. Seus pais, ricos e indignados mandaram vir dois especialistas de Paris (Paris!) para examinar a moçoila.
Hímen complacente, chegaram à conclusão. Mesmo assim o noivo não se deu por vencido e fez com que o casamento fosse anulado. O pai da moça não teve dúvidas. Mandou fazer, na Inglaterra, quarenta escarradeiras das mais bem trabalhadas e decoradas. E mandou colocar no fundo, impressa, a fotografia do ex-marido da sua filha. E distribuiu para as melhores famílias de Salvador. Durante muito tempo a sociedade baiana ficou escarrando na cara do desafeto. O psiquiatra Tenório de Oliveira Lima, baiano de Inhampube, garante que chegou a ver uma, há pouco tempo. O coitado foi escarrado já por três ou quatro gerações.