Lisboa – O primeiro-ministro português, Cavaco Silva, atendeu o pedido da deputada socialista Edite Estrela para adiar o debate sobre o acordo ortográfico que estava agendado para o dia 2 de maio. Portanto, Cavaco Silva desembarcou no Brasil no dia 6 com o texto aprovado pela conferência dos líderes portugueses. Modestamente, como humilde escritor brasileiro, acho que os portugueses deviam adiar para sempre este acordo. Isso cheira a coisa de brasileiro que não tem o que fazer.
E eu fico cá a pensar a quem interessar possa este acordo. Há dois meses vivendo em Lisboa, só posso rir da pretensão de certos imortais em unificar tudo. Dizem que tudo não passaria de interesses de uns poucos brasileiros em vender dicionários por aqui. Nós, como sempre, querendo levar vantagem em tudo.
Os portugueses nos ensinaram o português: a nós, aos angolanos, aos cabo-verdianos, aos moçambicanos etc. Claro que, em cada país, a coisa foi tomando forma e virando quase que um idioma diferente. Se houvesse filólogos na época do império romano, não teríamos hoje nem o português, nem o italiano, nem o espanhol, nem o romeno etc. eles teriam unificado tudo. Todos falaríamos, até hoje, o latim. E, pior ainda, o latim clássico, já que os soldados esparramaram pelo mundo o vulgar.
E basta conhecer um pouco Portugal, ou até mesmo a própria Ilha da Madeira, ou a africana Cabo Verde, para perceber que cada um deve ficar na sua. Não dá mais para unificar nada.
As línguas faladas em Portugal, Cabo Verde e Brasil são línguas completamente diferentes. Ortográfica e intelectualmente. Alguns exemplos:
Trolha, em Portugal, é ajudante de pedreiro. Relvado é por onde rola o esférico até que o juiz apite o castigo máximo e o torcedor grite golo da bancada. As crianças são os putos, antes da comida você belisca uns tapas, pede uma imperial e anda sempre de fato novo. De facto, fato é terno. Não há projecto que mude isto. Deviam ir à casa de banho e jogar tudo fora e acionar o autoclismo. Se cadarço é atacador, você pode chamar um cafona de piroso. Seria giro, isto é, legal. Aqui, um país onde se fala um português lindíssimo, você pode ver uma rapariga descer do comboio e dar um linguado no rapaz. Linguado não é peixe, mas beijo de língua. E é um país com poucas fufas. Será que no dicionário do professor Antônio tem fufas? Confiram. Provavelmente tem bicha.
Bicha, aqui em Portugal, é fila. Toda fila, desde a de táxi até para entrar na aula, se chama bicha. Então é muito comum você conviver com frases como estas:
– Ontem fui ao teatro, mas a bicha que estava na porta era assustadora.
Voltei.
– Ô rapaz, estás a furar a bicha, é?
– Atenção: bicha nos dois sentidos.
– Silêncio, miúdos, todos em bicha indiana.
– Ai, Jesus, essas bichas em ziguezague não andam.
– Estou nesta bicha desde cedo!
– Esta bicha é para comprar ou para entrar?
– Era uma bicha de dar volta no quarteirão.
E o troço? Como é que vai ficar o troço? Vocês aí no Brasil sabem o que é troço? Aqui em Portugal, troço é trecho de estrada. Você vai viajar e vai vendo as placas pelo caminho:
Troço em obras.
Fim do troço em obras.
Troço com pedágio.
Longo troço em declive.
Troço escorregadio.
E assim por diante.
Fico a ver, cá em Lisboa, os putos na rua e pensar que alguns filoporquequilos, ou melhor, filólogos, estão querendo que, quando eles crescerem, escrevam e falem como os brasileiros. E eu pergunto: por quê?
Perceberam?