Paris – Muito do metido, resolvi alugar um carro. Francês, é claro. Achando que já dominava a cidade. Sim, dominava por baixo, pelo metrô e pelas toaletes. Sabia sair nos lugares certos, como qualquer criança francesa. Mas dirigindo, por cima, tinha muito a aprender, logo perceberia.
Coloquei o Mateus do meu lado e fomos para o centro (se é que Paris tem centro) comprar uma bandeira dos Estados Unidos. Sim, do Brasil o americano tinha trazido. Mas, para lutar contra o Irã, a listrada era necessária. Sabia que, depois, viraria um tapete persa no quarto dele.
Para ir e comprar a bandeira, tudo bem. Foi na volta que o fato se deu. Tenho, cá pra mim, que a culpa foi do Mateus, mais acostumado às esquinas californianas e debutando agora na Europa. A verdade é que a gente percebia que ia se perdendo a cada curva.
– Vai margeando o Sena que a gente chega. Não tem erro.
Fomos margeando o Sena, sim. Só que para o outro lado. Sou daqueles que, em hipótese alguma, pergunta (ou perguntam?) o caminho. Nasci assim. Desconfio que as minhas duas esposas me largaram por essa minha mineirice.
(Desculpe interromper a crônica, mas é que acabou de passar, ali no corredor, uma coreana vestida de noiva. O noivo, de terno branco, ia atrás. Sé Parrí) Continuando:
Quando dei por mim, estávamos quase fora de Paris. Margeando o Sena. Mais um pouco e a gente chegava na Espanha. Periferia mesmo. Parisiense, mas periferia. Pra lá de Bois de Boulogne, onde ficam os pedê (pederastas, travestis).
– Toca em frente, toca em frente.
Toquei. Cinco minutos depois:
– Tá ouvindo?
Tava. Em coro: se você fosse sincera, ôôôô, Aurora! Com direito a batucada e tudo. Descemos do carro e seguimos a marchinha. Uns cinquenta metros na frente, a bandeira do Brasil tremulava. A palavra é banal, mas era isso mesmo. Tremulava às margens plácidas do Sena, num lugar chamado Pont de Sévres. Chegamos mais, com o Mateus balançando a dos Estados Unidos.
Resumindo: eram 19 brasileiros e brasileiras do Oiapoque ao Chuí que tinham comprado (no Brasil) uma determinada marca de desodorante e concorrido à primeira fase da copa. Ganharam. Gente simples, humilde. Pobre, para dizer a verdade. A bandeira era meio desbotada, mas estava lá, no alto da árvore.
Fizeram uma vaquinha, compraram uma mini-churrasqueira. Carne, cebola, batatinha frita e tamborim. Duas garrafas de 51 jaziam no chão. O limão daqui é amarelo, reclamava o taxista de Aquidauana. A moça de Uberaba, que nunca tinha viajado de avião, queria nadar. O japonês de Taubaté içou a bandeira do Mateus junto a do Brasil. Uma pequena televisão complementava o cenário.
– Tem um cabo do metrô ali, a gente puxou a eletricidade.
Foi quando chegou o seu guarda. Não acreditava no que via. O funcionário aposentado do Itaú de Dourados, talvez o mais culto (falava baguette sem nenhum sotaque), tentava explicar.
– Seu guarda, je suis somos breziliano. Copá! Copá!
Seu guarda, incrédulo, segue o fio da televisão até a conexão francesa. As mulheres fazem uma rodinha em torno dele cantando Aquarela do Brasil. Impossível ele não sorrir. Sorri, desliga o fio. Mateus se apresenta, em inglês, o guarda diz que tudo bem, mas a conexão, não. O japonês coloca (literalmente) um pedaço de carne na boca dele antes que mais alguma coisa fosse proibida. Oferece caipirinha. O guarda olha para um lado, olha para o outro. Dá um gole. Trés bien. E dá outro gole.
– Pru seu guarda, nada!
– Tudo!
– Então cumiquié?
Surge um banquinho. Sentam o seu guarda. Traz mais carne gente, que já-já a gente liga a televisão de novo. O home é nosso!
– Ronaldô! Ronaldô!
– Oui, Ronaldô!
A moça de Uberaba pergunta ao seu guarda se ela pode nadar no Sena, numa língua maravilhosa misturando uai com oui.
– Dá mais cachaça pru home, que a gente quer nadar.
O Mateus não queria mais assistir ao jogo dos Estados Unidos com o Irã. O tal do jogo da paz.
– Jogo da paz é isso aqui, meu. Existencialismo é isso aqui. Brasil é isso aqui. Passa a batatinha. O que o Sartre não diria, se vivo fosse?
Ele olha para as duas bandeiras, lá em cima, na árvore. Começa a chorar.
– Dá cachaça pru gringo, gente! Dá cachaça pra ele, que ele é dos nossos.
E começam cantar:
Salve a seleção, de repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão…