Não sei se ainda acontecem, na Semana Santa, montagens pelos interiores e igrejas contando o martírio de Nosso Senhor. São famosas algumas montagens de circos, dentro de igrejas e mesmo ao ar livre. E acontecem verdadeiras pérolas nesses dias santos. As três que se seguem são absolutamente verdadeiras. E divinas, é claro.
Cristo em Lins:
Como acontece todos os anos, foi tudo preparado com a antecedência necessária. Na Semana Santa, no altar-mor da catedral de Santo Antônio, os fiéis iriam representar a paixão, a vida e a morte do Nosso Senhor. Para o papel de estrelo (d’Ele) convidaram uma figura conhecida na cidade. O indivíduo era, inclusive, o magnânimo presidente do Clube Atlético Linense.
Quase um mês de ensaio e o Cristo deixou a barba crescer e decorou direitinho suas falas. Comentava-se na cidade que seria o melhor Cristo de todos os tempos. Fé não lhe faltava. Nem jeitão.
No dia da apresentação, a igreja lotada, adultos e crianças, velhos e moças, beatas, padres e freiras. E, dizem, até mesmo as raparigas da Vila São João.
Tudo ia correndo direitinho, a plateia com os olhos fixos nos sofrimentos do Senhor. Lá pelas tantas, como todo mundo tá cansado de saber, Cristo sente sede e pede um copo de água. Um dos guardas, o Badaró da Padaria, que havia tomado um pouco do vinho da missa, pega da sua lança, dá um sorrisinho de fariseu, molha a ponta envolvida no pano num tonel qualquer de fel.
– Tens sede? Toma fel!
E levantou a lança em direção ao rosto do Cristo. Mas o gesto foi um pouco brusco demais e estava mal ensaiado. Enroscou a ponta da lança na tanga do Cristo que no momento não usava nada por baixo e arrancou tudo para fora. O Cristo, desprotegido, não podia nem tapar as vergonhas com as mãos que estavam amarradas. Nem mesmo cruzar as finas e peludas pernas, também presas. A população fugiu e o Cristo ficou lá no altar principal da igreja principal, totalmente nu, blasfemando.
No dia seguinte mudou-se para Birigui onde se estabeleceu no ramo de secos e molhados.
Cristo em Fortaleza:
Desta vez a produção do Cristo no Calvário já era coisa mais profissional. E o fato engraçado se deu com um tal de Oswaldinho que todo ano fazia um daqueles guardas que ficam vigiando Cristo para ver se ele vai ressuscitar mesmo e fugir. Acontece que, entre uma paixão e outra, tentara a vida (sem sucesso) de ator em São Paulo. Não deu certo, voltou para o Ceará e quando pintou a montagem, ele se apresentou novamente.
Tímido, péssimo ator, falava as coisas para dentro. As coisas é modo de dizer, pois a única fala que ele tinha que dizer durante toda a peça era o seguinte: um centurião chegava para ele e perguntava: onde está Cristo? E ele tinha que responder apenas: Cristo foi embora. Só isso.
Durante os ensaios o Aderbal Freire-Filho, que era o diretor, levou um papo com ele:
– Oswaldinho, parece até que você não esteve em São Paulo, que não viajou com a Maria Della Costa, rapaz. É a tua chance de mostrar ao povo do Ceará o bom ator que você é. De mostrar que você é um cara viajado.
– Pode deixar comigo, seu Aderbal.
No dia da estreia, e centurião entra e pergunta:
– Onde está Cristo?
Oswaldinho enche o peito e diz com voz firme:
– Cristo foi embora! E deve ter ido para São Paulo. Aquilo que é terra: duzentas xícaras no balcão pra se tomar um cafezinho!
Cristo em Nova Jerusalém:
Naquela já famosa montagem de Nova Jerusalém, apenas os papéis principais são feitos por atores. O resto é gente do povo mesmo, do agreste pernambucano. Analfabetos em letras e religião.
Foi numa dessas montagens que um rapaz que faria um dos apóstolos, depois de receber as instruções e se inteirar (mais ou menos) do que se tratava, chegou para o ator que fazia Cristo, arregaçou as mangas da camisa e foi dizendo, decidido:
– Seu Jesus, eu contei o nosso contingente e somos mais que os guardas. Se o senhor quiser, podemos resolver essa parada agora mesmo!!!