Modernidade no começo dos cinquenta era a inauguração de uma coisa chamada televisão para menos de cem proprietários de aparelhos em toda a cidade. Modernidade era aquela imagem vindo por dentro de um fio, se esquentando em válvulas que – às vezes – explodiam na cara do telespectador.
Bons tempos aqueles onde não se tinha o vídeo-tape e tudo era feito na base do aqui e agora. Tudo, tudo, até os anúncios, eram ao vivo. Nada mais pré-moderno. Claro que as mocinhas – que se chamavam garota-propaganda, ficavam meio sem graça quando a porta da geladeira não se abria em pleno ar, ou o fogão não se acendia. O sorriso era amarelo, mas não fazia mal porque a televisão estava longe, muito longe das cores.
Nestes pré-modernos tempos da nossa televisão tupi (niquim), dezenas, centenas de histórias folclóricas rolam como tapes desgastados pelo tempo. São histórias do tempo que tudo era ao vivo e em preto e branco.
Era a Tupi. Era o Teleteatro Tupi. Todo sábado, ao vivo, no horário nobre. Cada dia uma peça inteira, de teatro, adaptada pelos nossos melhores roteiristas (aliás, são os mesmo que escrevem novelas hoje em dia, quarenta anos piores). A cena – extremamente dramática – era mais ou menos assim: uma atriz está na sala, sozinha, lê uma carta, a câmera se aproxima dos seus olhos, um par de lágrimas rola paralelos, câmera recua, ela vai até a mesinha, pega a caixa de fósforos, queima a carta, joga o papel em chamas no cinzeiro. Câmera vai para a porta, entra o galã, sente o cheiro de papel queimado e diz, suspeitando de alguma coisa:
– Hum, que cheiro de papel queimado…
Isso foi o ensaio da cena. Agora está na hora de entrar no ar, ao vivo. Tudo pronto para a transmissão. Começa a cena. A mocinha lê a carta, a mocinha chora, a mocinha procura o fósforo e… onde está o fósforo? O contra-regra não colocou o fósforo na mesinha, porra! O que fazer? É ao vivo! Ela não tem dúvida, rasga a carta e coloca em cima do cinzeiro. Câmera vai para a porta, entra o galã já dizendo a sua fala: hum, que cheiro de… Quando percebe que o papel não foi queimado. Mas ele não perde o rebolado e diz:
– Hum, que cheiro de papel… rasgado!
Outra história do Teleteatro Tupi. Uma peça também ultradramática sobre a vida de Joana D’Arc. Tudo indo muito bem até a penúltima cena, que é justamente o julgamento da sapatona. Enquanto esta cena está rolando – ao vivo! – ao lado, noutro cenário, já está a fogueira pronta, com a coitada lá amarrada e tudo, esperando apenas o corte de uma cena para a outra. Assim que dessem o veredicto, cortava para a fogueira. O General se levanta para dar a sentença:
– Consideramos a ré culpada e a condenamos à morte por enforcamento!
Zum-zum-zum no estúdio! O General errou! Teria que dizer que a condenados à morte por fogo, na fogueira. Afinal, além de estar tudo arrumado ao lado, era a versão oficial. Ninguém sabe o que fazer. Maior saia-justa no estúdio do Sumaré. Eis que um figurante-sem-fala, um mero soldadinho que estava ali para ilustrar a cena, cutuca o General e diz:
– General, não seria melhor queimar a moça?
No que o General, percebendo a besteira, arremata:
– Sabe que é uma boa ideia?