Quando eu era pequeno, década de 50, o meu pai me ensinou que a gente vivia num país pobre. Isso explicava e justificava muita coisa. Até mesmo o preço da figurinha carimbada. Mas ele, mineiro, dizia que, com o Juscelino, a gente ia sair dessa pobreza. A Copa de 58 era um exemplo. Lá na Europa, batemos em todos aqueles ricos. E de goleada. O Brasil nunca mais ia ser o mesmo. Sem falar no Eder Jofre que batia em todo mundo. Até apanhar de um japonês. O Japão vai longe, dizia meu pai. O Brasil também, eu pensava. Pobre de mim.
O mundo girou e a Lusitana rodou. Nos anos 60, finalmente, o Brasil deixou de ser um país pobre. Descobrimos, muito felizes, que éramos um país subdesenvolvido. Agora o Brasil era um país subdesenvolvido! Para mim estava claro. A gente era sub. Como subgerente de banco. O subgerente é uma questão de meses, logo vira gerente. É a ordem natural das coisas. Sentia-me feliz com o meu país. A gente era sub. Ou seja, estava quase lá. É, no nosso codinome, digamos assim, a palavra desenvolvido já fazia parte, mesmo que precedida por um sub.
Passam-se mais uns dez anos e deixamos – eu tinha certeza! – de ser um país subdesenvolvido. Agora sim, a gente já era um país do Terceiro Mundo. Isso foi uma grande onda de otimismo. Já éramos Terceiro Mundo! Na nossa frente só estavam o Segundo e o Primeiro Mundo. A gente já era medalha de bronze, gente! Questão de meses, alguns anos talvez e o gigante adormecido chegava lá. Já pensou, podia ser pior, a gente podia ser quinto, oitavo mundo. Não, a gente era Terceiro Mundo! Terceiro! Agora a coisa ia. Ainda mais com a mão firme e o coração duro dos brilhantes militares. Eles também, terceiro-mundistas.
Eu sabia que as coisas iam melhorar. Deixamos de ser terceiromundistas logo e passamos a fazer parte do bloco dos países em desenvolvimento. Agora sim, já éramos um bloco. Tinha gente do nosso lado na marcha ao futuro. Sim, reconheceram. Já estávamos na fase do em desenvolvimento. Uma maravilha. A gente era um país que ia pra frente. Ninguém segurava este país, cantava alguém.
Entraram os anos 90 e logo avisaram a gente. O Brasil não é mais um país em desenvolvimento. Concluí logo que a gente já estava desenvolvido, ora pois. Era quase isso. Agora a gente era um país emergente. Perfeita a palavra. Vem de emergir. Emergente! Gostei. Gostei de me sentir emergente. Pra quem começou como pobre, foi subdesenvolvido, foi Terceiro Mundo, esteve em fase de desenvolvimento, agora sim, estávamos emergentes.
Fui ao mestre Aurélio: sair de onde estava mergulhado. Era isso, a gente, agora sim, estava emergindo, saindo de onde estávamos mergulhados, saindo, enfim, da merda, se me desculpem.
Estava feliz com o meu país emergente. Até que vi uma matéria numa revista sobre brasileiros e brasileiras emergentes. Fiquei um pouco preocupado. Será que o Brasil tem a cara daquela oxigenada emergente lá do Rio de Janeiro?
Sabe quem dá esses nomes todos para o Brasil e a gente sempre aceita achando que agora a coisa vai? Um tal de G-7 + Rússia. Parece coisa de computador. Só que não dá para deletar. A gente vai mudando de nome, mas o G-7 + Rússia continua o mesmo. Cada vez mais rico, cada vez mais Primeiro Mundo, mais desenvolvido, mais emergidíssimo. Desconfio que seja à nossa custa. Mas quem sou eu? Sou pobre, dizia meu sábio pai.
E como é que eles vão chamar a gente na próxima década, que já será no novo século? Acho que G-7 + Rússia vai nos fazer justiça.
O Brasil será conhecido, finalmente, como O País do Século XX, ou seja, do século passado. Já é alguma coisa, meu pobre leitor. Ou você prefere ser chamado de emergente leitor?