Todos meus amigos de infância estão fazendo cinquenta anos. Em fevereiro sou eu. A cada mês, uma festa de derrubar cinquentões. Em cada encontro, as saudades dos bons tempos da brilhantina e do halitol. Em cada porre, a lembrança de dias e de coisas que não voltam mais (que frase horrível, meu Deus!).
Por exemplo: a galocha. Acho que os mais jovens nem sabem o que significa tão esdrúxula e extravagante palavra. Tratava-se de um artefato de borracha que se colocava por cima dos sapatos, em dias de chuva, para se sair. Quando o sujeito chegava na casa, tinha um móvel onde ele colocava a galocha. Aliás, neste mesmo móvel ele depositava o guardachuva e o chapéu. Todo mundo usava chapéus. Três fábricas disputavam a cabeça dos brasileiros. A Ramenzoni, a Prada e a Cury. Onde andam? Era um móvel bonito o porta-chapéus. Todo mundo gostava de atirar o chapéu de longe para vez se acertava no ganchinho trabalhado em ferro bruto. Acho que nem em antiquários se tem mais essa preciosidade. Onde andam o sereno e a garoa?
A lanterna é outra coisa que sumiu. Toda casa tinha, pelo menos, três lanternas. Uma grande, na sala, em caso de escuridão causada pela Light (e eu com a Light?, era uma expressão da época), uma menor no quarto e, é claro, uma no porta-luvas do carro. E por falar em porta-luvas, quem é que já colocou um par de luvas lá? Me lembro que o amigo e hoje imortal Sábato Magaldi, na época crítico de teatro, usava uma lanterninha acoplada à sua caneta para escrever no escurinho do teatro. Quando ele acendia aquela bendita, atores tremiam no palco. Era elegante dar uma lanterna de presente, naqueles tempos.
Mas nem tudo era perfeito. Naquele tempo, as obturações caiam sem mais nem menos. Hoje não caem mais. Melhoraram os dentes ou a tecnologia? Era comum, numa refeição, alguém dizer: ih, a minha obturação caiu! Era imediatamente guardada no lenço para se levar ao dentista no dia seguinte.
Sim, naquele tempo todo mundo usava lenço no bolso de trás da calça. E mais, alguns com as iniciais bordadas por prendadas e desocupadas avós. Você que está me lendo agora, tem um lenço aí? Não se assoam mais narizes como antigamente? Ou todo mundo faz como jogador de futebol, que diante de milhares de espectadores, mandam brasa lá dentro do campo com a categoria de quem bate uma bela falta? Parece que eles entram em campo só para isso. Sempre fico preocupado quando um jogador vai ao chão. Vai se melecar na meleca do outro.
Meleca que me lembra goma arábica (embora fosse fabricada no Brasil). E quando não se tinha a goma arábica, a gente fazia a cola em casa com maizena para se colar as figurinhas difíceis.
Saia-se de casa com um pente Flamengo (que entortava todo) e era chique pentear os cabelos no meio das festas, sem olhar nos espelhos. Pente num bolso e cabo-de-aço na cintura para enfrentar a turma adversária. E quem é que não tinha um bom canivete no bolso? Daqueles que se apertava um botãozinho e a lâmina pulava para fora nos luares do interior. Os mais maldosozinhos ainda usavam um soco inglês, de aço. Aquilo matava. Mas ainda se era elegante para se usar uma cigarreira quando a moçoila pedia um cigarro Continental sem filtro.
Quando se resfriava um escalda-pés resolvia tudo. Inclusive nos textos do Machado e do Eça pendurados nas estantes de mogno escuro.
E a sunga, então? A sunga era fundamental para não se dar vexame depois de dançar com as virgens namoradas. Para não se sair todo curvo, uma boa sunga servia. Tinha um anúncio de uma delas com um gorila de sunga. Se segurava o do gorila, imaginem os nossos, ainda tão adolescentes e inexperientes.
Mas o que sumiu mesmo foi a gonorréia, que tanta tragédia nos trazia. Como contar para o nosso pai, que se estava com aquilo? Pergunte ao seu pai que ele lhe explica a gonorréia. Garanto que já teve pelo menos umazinha.
Outro dia li no muro do cemitério da Consolação: Saudades da Gonorréia!
E fiquei com saudades de mim mesmo.