Alberto Prata Jr. e o carro de bois

Meu pai, aos 88 anos, quem diria, resolveu escrever uma crônica. E não é que o velho leva jeito?

Quem viveu nas décadas de 10 e 20 conheceu os utilitários carros de bois, hoje substituídos por veículos motorizados, meios de transportes rápidos e eficientes.

Os negociantes desse fundo do Triângulo Mineiro abasteciam suas lojas e fazendas com o auxílio do vagaroso carro de bois.

Era comum encontrar caravanas deles chiando pelas estradas, emitindo sons característicos, que eram ouvidos de longe pelos carreiros, que disputavam qual deles era mais harmonioso.

A viagem de hoje, que é feita em poucas horas, naquele tempo se gastavam dias e até semanas. Naquelas décadas e nas anteriores, os fazendeiros moravam nas fazendas, onde a manutenção de suas lojas e fazendas e principalmente de suas famílias dependia de produtos da terra, como arroz, feijão, carne, frutas, verduras, doces, confeitos, etc.

Da cidade, dependia do sal e um pouco de tecidos, pois grande parte destes era produzida nas fazendas, os chamados “tecidos de cá”.

As famílias dos fazendeiros só iam às cidades para assistirem às festas religiosas como as de N.S. da Abadia e outras ocorrências como batizados, casamentos, e alguns sepultamentos, pois muitos deles eram realizados nas zonas em que moravam.

Procurar médico era difícil e demorado. O tratamento era feito lá mesmo com chás de ervas caseiras, que toda propriedade rural possuía em abundância, além dos sinapismos, do famoso óleo de rícino, vomitórios, pedilúvios, escalda-pés, etc.

E tudo era feito com o carro de boi.

O carro de boi era constituído de várias peças de madeira de lei, o famoso bálsamo, também chamado cabriúva. A cheda, principal peça do carro de bois, era a armação que contornava a mesa, ligada na frente ao cabeçalho e na parte traseira a uma tábua larga e resistente, chamada prancha.

Essa peça e mais a cheda e o cabeçalho formavam o que chamamos nos veículos motorizados de suspensão.

A cheda era reforçada por peças transversais também de bálsamo, superpostas de tábuas que formavam o assoalho da mesa.

Na frente do cabeçalho existiam duas peças: o pigarro, que, através da tiradeira, ligava o carro ao cambão da junta de bois da chavelha e com a outra que segurava a canga dos bois do cabeçalho, por meio de uma corda de couro torcido chamada tamoeira.

De cada lado da mesa do carro existia um par de rodas formado pela camba e o meão, contornada por uma armação de ferro, presa à borda da roda por pinos de ferro que davam resistência e evitava os desgastes das rodas. As cambas e os meãos eram ligados por traves de ferro.

No meio do meão existia uma perfuração quadrada pela qual passavam as pontas do eixo, que era ligado à mesa por dois coções de cada lado, superpostos por madeira branca que produziam a famosa cantiga do carro de boi. Som disputado pelos carreiros.

No meio do eixo de alguns carros existia um pequeno chumaço de madeira chamado cantadeiro do meio que, com o atrito do carro, aumentava a cantiga.

O eixo do carro rolava com as rodas, o que o diferenciava das carroças, em que o eixo é fixo à mesa.

Em cima da cheda, de cada lado da mesa, eram colocados os fueiros, que seguravam a carga por uma esteira de taboca rachada. Na parte traseira existia o caniço – também de taboca – formando a porta.

Embaixo do carro, na parte traseira, existia um argolão de ferro que servia para arrastar o carro de marcha à ré quando encravado e ainda uma peça de chifre de boi, que transportava banha ou óleo queimado para lubrificação do chumaço.

Ia me esquecendo: quem puxava isso tudo era o boi.