Era o melhor dos mundos. Mata Atlântica e praia, num mesmo local, num mesmo momento. Uma varanda, uma lareira, uma rede. Doces loiras a caminho do mar, The Beatles alto, a culpa baixa. E a pressa, nenhuma. Vinho.
Mas tinha pernilongo.
A primeira providência foi chamar o Flávio Scherer, cobra em telas para janelas. Fiz uma no meu escritório e outra entre a varanda e a sala. No quarto já tinha. Fechando a porta da cozinha eu estava salvo dele, o pernilongo.
Mas na primeira noite, já me sentindo isolado do zumbidinho e das picadonas, ele apareceu nos ares, ele estava lá. E pernilongo é maldoso. Não basta picar. Primeiro ele fica te azucrinando o ouvido. E você, feito um idiota, dando tapas na própria orelha. Não há nenhum registro no mundo de alguém que tenha matado um pernilongo assim.
No dia seguinte comprei aqueles tabletinhos verdes que coloca na tomada. E deixei, antes de ir dormir, o quarto todo borrifado com um spray que dizia que matava tudo. Fui deitar com um cheiro ruim no quarto. Mas quem é que aparece lá de madrugada? Como se a coisa não fosse com ele.
Levanto, acendo a luz. Vejo onde ele está, pego a toalha todo sonolento e vou à luta. Mas ele sempre ganha. Mesmo quando você acerta uma toalhada nele, ele dá uma de que vai a nocaute, mas faz uma curva no ar e vai lá para cima. A noite está perdida.
Chamo o Flávio de novo. Quero telas protetoras na cozinha, no outro quarto, na área de serviço, no quarto de empregada e no banheiro idem. Em uma semana a casa estava completamente protegida. E, quando eu entrava da rua era rápido e abria a porta o menos possível. Eu estava protegido. Ele não teria por onde entrar.
Duas da manhã, ele. Direto na minha orelha, me gozando, pensei. Mas por onde teria entrado? Não havia nenhuma possibilidade. Foi quando eu pensei que talvez ele já estivesse lá dentro quando o Flávio colocou todas as telas e estaria me avisando que queria sair. Mas era um só e eu resolvi ir à luta. Na mão esquerda um superjato e na direita a toalha. Fechei todas as portas do quarto. Era eu e ele. Um dos dois ia morrer. Não chegou a ser a Guerra dos 100 Anos, mas ele desaparecia como o Bin Laden, que era como eu o chamava: aparece, Bin, se você for macho! Já estava clareando quando eu acertei uma bordoada fatal nele. Sujou a parede de sangue. Sangue meu, naturalmente.
Na noite seguinte, outro. Resolvi olhar todas as telas, ver se havia uma frestinha. Nada, o Flávio é cobra. Quando entrei no banheiro, tinha dois lá dentro. Pensei: o ninho é aqui. E descobri. Eles entravam pela ventilação no teto. O Flávio colocou uma tela lá. Aproveitou e colocou outra debaixo do ralo.
Antes de ir dormir, chequei a casa toda. Não havia a menor possibilidade.
Até os ralos de todas as pias e banheiras, tapados. Hoje eu ia dormir em paz.
Dormi. Até que ele voltou. Acendi a luz e fiquei olhando para ele. Era o Bin Laden, eu havia matado o afegão, perdão, o pernilongo errado. Como que eu sabia que era o Bin? Minha senhora, eu estava havia dias convivendo com ele, conhecia seu jeitão, seu estilo de voar, e principalmente, sua voz.
Ele ficava zanzando na minha frente, parecendo que pedia uma trégua, um acordo. Fiz o tal de acordo. Me cubro todo e deixo o pé de fora. Você só pica o pé, tudo bem? Ele balançou a cabeça. E mais, pica uma vez só por noite. Tudo bem? E mais uma coisa e a mais importante de todas. Calado! Nada de zumbido no meu ouvido, pelo amor de Deus!
E assim foi. Meu pé direito começou a ficar inchado. E o Bin, gordo, imenso, tendo dificuldade até para voos mais rasantes. Comecei a me afeiçoar a ele.
E tive a grande ideia. Toda noite, antes de dormir, fazia um micro furinho no dedo, saia um sanguinho, deixava num pires para ele. Na manhã seguinte o pires está limpinho. Impressionante.
Antes de ontem ele amanheceu morto, ao lado do pires. Deve ter morrido de velho. Ou de dengue.
Agora dormia tranquilo, no silêncio das ondas do mar. Mas acordava sobressaltado toda hora: cadê o Bin? Cadê o Bin? E penso, de vez em quando:
Será que ele morreu mesmo? Será que ele não vai aparecer a qualquer momento?
Não sei, mas continuo dormindo com o pé fora das cobertas. Quem sabe, né?