O isqueiro

Praseodímio, símbolo Pr, é um elemento metálico prateado, de número atômico 59 e massa atômica 140,98. Um dos elementos do grupo dos lantanídeos do sistema periódico é utilizado nas ligas de magnésio e numa liga empregada nas pedras dos isqueiros. Enciclopédia Encarta.

Poucas coisas me irritam na vida. Uma delas é, em sossegadamente estando num restaurante ou bar, tirar – prazerosamente – do maço o cigarro para acender e uma mão estranha entrar por trás do seu pescoço com o isqueiro aceso. É o garçom. Aquilo sempre assusta, pela rapidez, pela luz súbita. Fico tiririca! Garçom devia chamar Praseodímio, bem mais brasileiro do que garçom. Ou pior ainda, garção! Embora alguns pareçam com garças, já notou? Uns magros, encurvados.

A segunda lição que os garçons deveriam aprender nos cursos (a primeira é ser surdo) é nunca cometer tal imprudência. Acender o cigarro do freguês. Afinal, o ato de acender o nosso próprio cigarro faz parte do ritual. Vai ser a primeira tragada, é ela tem de ser pessoal, íntima, se possível sem ninguém perceber. A não ser a garota da mesa sete para quem você olha por baixo dos óculos, acende, dá um tempo com aquela chama te clareando as bobagens da cabeça e, assim sim, chega perto do lábio e solta aquela primeira fumaça, a mais gostosa, a mais lúcida e lúdica.

E o garçom tem a mania de nos quebrar essa magia. Mesmo porque cada um tem seu esquema, seu jeitão, seu porquê.

Antes de mais nada devo dizer que adoro garçons, sendo até amigo de alguns deles, de ir a futebol e tudo. O garçom é um profissional diferenciado. Mas há os chatos. Os simpáticos, por exemplo, são chatos. Não têm limites. Garçom não tem que ser simpático, mas legal. Garçom legal é o que há. Mas não confunda com os simpáticos, por favor. Se relaxar eles sentam e contam da casinha que estão construindo. Lá longe.

Garçom é mais ou menos como barbeiro. Tem que saber o limite da aproximação. Me lembro que uma vez o Tom Jobim foi cortar o cabelo e o barbeiro foi logo se intimizando:

– Como vai querer?

– Vou querer sem papo…

Embora não possa parecer verdade, mas o isqueiro – dessas coisas modernas – é a mais antiga. Veio, literalmente, da era da pedra lascada. Como inventaram o fogo? Raspando uma pedra da noutra. Consequentemente o isqueiro foi inventado muito antes do fósforo. Para ser mais claro, foi o isqueiro quem inventou o fogo e não o contrário.

Provavelmente, anos depois, lá por uns 5000 a.C., acharam aquela coisa de pedra muito antiga e partiram para outros fogos. E o isqueiro foi esquecido.

Dizem que antigamente ele se chamava faisqueiro, de faísca, procede. Naquele tempo – consta – isqueiro era apenas quem fabricava e vendia iscas para os pescadores do Mar Egeu (se é que este mar não mudou de nome).

Vamos voltar de novo para o garçom que teima (e queima) em acender nossos cigarros. Nunca soube se é servilismo, educação ou o olho no bolso do paciente.

Me lembro da morte do Luís Carlos Paraná, que era dono do melhor bar do começo dos 70. O Jogral. Quando ele morreu (foi de noite) todos os amigos e fregueses que chegavam eram encaminhados para o velório.

Ao chegar lá já achei meio esquisito o porteiro do Jogral de porteiro do velório. Sai três, entra três. Devia estar recebendo até gorjeta.

Estou lá dentro, ao lado do velho compositor amigo, bem próximo ao caixão, pego um cigarro e aquela mão surge por trás do meu pescoço. Era o garçom do Jogral me acendendo o cigarro. O Paraná não deve nunca ter me perdoado porque eu ri ali, na cara dele. Naquele momento senti que não era nem servilismo nem educação e nem olho na grana. Era mesmo por instinto.

E, contra instinto a gente não pode brigar. Principalmente quando o instinto é sincero. Mas, mesmo assim, poupe-me, senhor Praseodímio.