Não me pergunte quem foi Segismundo Mendes, pois não tenho a menor ideia. E, lendo o título da crônica, parece que o 41 é a idade dele. Não. Segismundo Mendes, 41 é um endereço em Uberaba, Minas. Da casa que eu nasci.
A casa era dos meus bisavós, o Pai Tonico e a Mãe Cota, os Cunha Campos. Lá moravam, além dos dois, mais uma tia-avó solteirona, a Tia Aspásia, e uns tios viúvos. Não sei exatamente por que a minha mãe foi me dar à luz lá.
Passei todas as minhas férias, na infância e adolescência, brincando naquele quintal imenso e cheio de árvores com frutas. Mas o que mais me chamava a atenção era o quarto onde morava um tio, o Reynaldo. Nesse quarto, que dava para a rua, eu nasci.
Toda vez que entrava naquele quarto, ainda garoto, ficava imaginando a cena do meu nascimento. Minha mãe, a mãe dela ao lado, a parteira. Meu pai na sala, andando de um lado para o outro. O primeiro choro. As dores da minha mãe num parto normal de um bebê com exatamente cinco quilos. Que conservo até hoje. Sempre me emocionava entrar lá dentro.
(E agora está você aqui me lendo e pensando: e o que é que eu tenho com isso?) Quando eu comecei a escrever, imaginava que um dia poderia vir a ser um escritor famoso, e tinha um sonho. Um dia alguém iria fazer uma grande matéria comigo, aquela de várias páginas, com fotos da infância, do pai e da mãe e – é claro – uma foto da casa da Segismundo Mendes, com a legenda: aqui nasceu o escritor, etc., etc. Eu teria de ficar muito famoso mesmo para a revista deslocar um fotógrafo até Uberaba para fazer essa única foto. Pois, durante anos, passava na frente da casa que já não era da família e pensava: um dia vão fotografar. Meu Deus, como eu era metido a besta (como se dizia há vários anos).
Pois bem, passei lá na frente outro dia. Uma imobiliária comprou a casa.
Derrubaram a casa? Não. Pior. Derrubaram só o quarto da frente para fazer estacionamento. Ou seja, detonaram só o meu quarto. Ficou um vazio, ficou apenas ar, onde existiam camas, guarda-roupas, criadomudo e uma lembrança.
Minha primeira lembrança.
Nunca fiquei tão famoso, nunca ninguém fotografou a casa. Meu passado mais longínquo virou pó, ar, virou nada.
Depois disso fomos morar em São Joaquim da Barra, no caminho entre São Paulo e Uberaba. Outro dia, indo para Minas com a minha irmã, resolvemos entrar em São Joaquim. Guiados pelo meu pai pelo celular, fomos chegando na casa de onde guardo as minhas primeiras lembranças. Meu pai dizia, agora vira à esquerda e é a casa. Nada. Um prédio no lugar da minha primeira infância.
Desisti de procurar as demais casas em que morei. Contabilizadas, 31 até hoje. Escrevi tudo isto para declarar minha inveja do Luis Fernando Verissimo que mora, desde que nasceu, na mesma casa, lá em Porto Alegre.
Talvez ele não tenha tantas histórias domiciliares para contar, mas sabe exatamente quando a jabuticabeira começa a dar seus frutos, sabe onde enterrou o sapo que ele matou na infância, cresceu junto com a mangueira dos fundos, regou aquelas plantas todas. E mais, na foto para a revista a legenda vai ser mais completa: aqui nasceram Érico e Luis Fernando Verissimo. Aqui nasceu a nova literatura brasileira.
Quanto a mim, continuo no ar, sem foto nenhuma. E a casa em que você nasceu, tem notícias dela? Volte lá. Você vai sentir uma sensação boa.