Vamos ver o comércio, nêga?

Outro dia convidei uma moça (nem tão moça assim) para sair e ela perguntou: para ir aonde? E eu respondi: vamos ver o comércio. E ela, para minha alegria, topou. Data vênia e horário marcado, pego a moça e pergunto: O que você quer fazer? Um cinema, jantar? E ela respondeu: quero ver o comércio, uai.

Foi aí que eu percebi como existem várias gerações em poucas décadas num país como o nosso, novo, que muda a cada ano, a cada mês talvez. Ver o comércio é uma coisa da minha infância, adolescência. As famílias, literalmente, saíam de casa para ver o comércio, as novidades. Passava-se na alfaiataria para ver os novos tecidos, nas livrarias para os novos títulos, nas lojas de eletrodomésticos para ver o novo e revolucionário liquidificador, agora com três velocidades, os novos estilos de móveis pé-de-palito. Ir ver o comércio não significava ir às compras. Era para ver. O fato de entrar numa loja de brinquedos não significava comprar nada. Era para ver. E via-se com os olhos. Não era para pegar, tocar ou bulir, como dizia a tia Aspásia.

Expliquei tudo para a moça. Aí que ela adorou mais ainda a ideia de ir ver o comércio. E eu disse que era impossível. Porque, para se ver o comércio, precisávamos, em primeiro lugar, da Rua do Comércio. Sim, toda cidade tinha a sua rua do comércio. Podia ter até outro nome, mas era conhecida como Do Comércio.

E onde fica a rua – especificamente – do comércio hoje em dia? Começamos a discutir este assunto e foi ela quem chegou à conclusão. É o shopping center. Me indignei. Não se pode comparar uma Rua do Comércio a um shopping center.  Mesmo porque a Rua do Comércio é em português, além de nos ter sido legada pelos lusitanos colonizadores. A Rua Augusta, em Lisboa, por exemplo, é uma rua do comércio. Há séculos. E shopping é coisa de americano. Daí partimos para a discussão de como os Estados Unidos acabaram com algumas das nossas tradições. Como ela continuava a defender os shopping e eu a rua, achei de bom alvitre (palavra que existia naquela época) levar a moça para a casa dela. E acabamos não vendo comércio algum.

Voltando para casa sem ter visto o comércio e a moça por inteiro, pensava que ir ver o comércio tinha o mesmo significado – naquela ocasião – de ir ver a minha coleção de borboletas lá em casa. Era uma cantada das mais vagabundinhas e antigas. Será que alguma vez, nos últimos cem anos, alguma moça foi ver as borboletas de quem quer que seja?

As cantadas foram evoluindo até chegarem aos anos oitenta com a famosa frase: no seu ou no meu apartamento? Hoje não pega mais, mas na época quase sempre dava certo. Dava, em todos os sentidos.

Tudo isto para chegar na Internet. Tu tá lá paquerando a gatinha (pelo menos é o que ela diz que é, sendo que pode muito bem ser um japonês gozando com a sua cara) e entram anúncios. Ou seja, entra o comércio. Entra a rua do comércio na sua tela. Querem te vender de tudo, enquanto tu paquera modernamente. Assim como antigamente alguns funcionários ficavam na porta das lojas com megafones, anunciando as novidades vindas diretamente da capital e até de Paris, agora tem uns comerciais na sua tela com som, voz e outras palhaçadas mais. Não se pode nem cantar mais a tal da gatinha em silêncio.

Dá vontade de ir passear na praia e ao ver a moça com o cachorrinho, perguntar com ares de grande inteligência: o cachorrinho tem e-mail? E ela responder: não, mas o meu marido tem uma homepage deste tamanho!!! Site fora, cara (desculpe o trocadilho, mas não resisti).

Na rua do comércio e no e-mail o mundo continua o mesmo. O homem atrás da mulher e a mulher atrás do homem. E, enquanto isto existir, vai continuar vivo o comércio. Mas, acima de tudo, vai estar viva a procura do amor. E isso não se compra nem na rua e nem na Internet.