Na estrada com Danuza

Califórnia – Copa de 94. Toca o telefone no quarto do hotel:

– Mario? É a Danuza.

Leão. Queria saber se eu ia na festa da Brahma lá em Los Gatos. Eu não ia, devo confessar. Meu estômago e meu intestino não estavam mais conversando um com o outro. Tinha tomado um remédio. Mas a Danuza! Sempre quis conhecer a Danuza. Ela queria uma carona.

– Te pego em quinze minutos.

Conheço bem a Danuza. Nunca falei com ela. Mas Samuel Wainer gostava de biografar a ex-mulher, a mãe dos seus filhos. Tinha a maior curiosidade em conhecer. E ela devia me conhecer um pouco, através da minha ex-mulher Marta, amiga dela, como confirmaria depois.

Fui buscá-la no hotel cheio de maneiras, e logo de cara cometi a primeira gafe: perguntei se ela estava mandando a matéria para o Globo de fax. Ela foi gentil, educada:

– JB.

Entramos na estrada, eu cheio de dedos, fazendo esforço para dizer bobagens inteligentes, acender o cigarro dela e outros maneirismos. E eis que a barriga dá uma pontada forte. O remédio bateu, pensei. Mas eu seguro. Cinquenta milhas, eu seguro.

Cabelos ao vento, lá vamos nós. Ela falando do seu próximo livro (uma ideia genial) e eu olhando no rosto dela. Um pouco de Pink aqui, uma saudade do Samuel ali. Não dava para ver se o joelho era igual ao da irmã, a Nara. Mas devia ser.

A pontada agora foi maior. Tenho que parar. Na estrada não pode. Tem que entrar em alguma cidade. Mas como é que eu vou dizer para aquela mulher elegantérrima, cheia de maneiras gostosas, que eu preciso fazer cocô? Penso que deve ter algum capítulo no recém-lançado livro dela (Na Sala com Danuza) onde se trata disso: da indelicadeza de um homem avisar a uma mulher, a 80 milhas por hora, que precisa fazer cocô. O meu intestino parecia que saía da barriga e enforcava o meu pescoço.

Ela puxava assuntos interessantíssimos e eu só no sim, não, ah, é?, perdendo o papo da Danuza. Ela já devia estar me achando um penta.

Explico que preciso ir ao banheiro, sem maiores detalhes. Claro, ela me diz, aproveito para comprar cigarros. Entro numa cidadezinha, paro num posto e sumo. E não consigo fazer. Volto sabendo que, mais para a frente, a coisa vai piorar.

Andamos mais umas dez milhas e agora ela fala do trabalho dela na televisão e eu não ouço mais nada. Nenhuma cidade à vista.

Um deserto californiano. Eu devia estar verde. Será que ela está reparando que eu estou suando? Deve ter um capítulo no livro dela sobre homens que suam, fedem. Deve ter. Estico o pescoço, nenhuma cidade.

Explico a situação para ela. Ela acha normal, com estas comidas americanas horrorosas. Tem uma seta para uma cidade. Eu entro. Mas a cidade era longe. Meu medo agora era não conseguir chegar a lugar algum. Fazer ali mesmo, no carro, no banco, ao lado da Danuza Leão.

– Danuza, é o seguinte: eu estou mal mesmo. Se não aparecer logo uma cidade, eu vou parar e fazer no mato. Você jura que não conta pra ninguém?

Ela olhou o deserto:

– Que mato?

Me olhou e deve ter pensado: como é que esse cara vai se limpar? Mas maneirou:

– Fica tranquilo.

Além de não ouvir mais, eu não falava. Não podia gastar nenhuma energia. Qualquer esforço poderia ser fatal.

Um posto! Ela me espera no carro, maravilhosa. E eu lá dentro, horroroso. Achei que estava com hemorragia estomacal. Voltei e comuniquei a desgraça.

– Tenho que voltar pra San Francisco.

– Vamos achar um táxi para você.

Ela quer voltar comigo, fica preocupada realmente com o meu estado. Eu insisto, estão esperando ela em Los Gatos. Estou com vontade de novo. Saio correndo.

Ela consegue chamar um táxi pelo telefone, não sei de que maneira.

Vou embora rapidamente. Tenho que achar outro posto. Olho pelo retrovisor e vejo Danuza Leão encostada num poste de estrada, no interior da Califórnia, esperando o táxi, o sol batendo forte na cara dela, o vento mexendo com seus cabelos loiros, linda. Parecia um anúncio da Coca-Cola. Ao fundo, a poeira faz um rodamoinho e, lá dentro, eu vejo o Mao Tsetung e o Samuel Wainer a me recriminar.

E eu, que nem perguntei se ela tinha dinheiro para o táxi? Não disse nada…