Naquele tempo em que a gente assistia aos filmes do Godard e saía com a sisuda e juvenil cara de quem tinha entendido absolutamente toda a nouvelle vague, foi que eu vi a cena num filme do supracitado.
Um quiosque em Paris, numa esquina, todo de vidro. Lá fora se via os parisienses passando. Como parisiense passa bem, já notou? Cá, do lado de dentro do bar, um jovem estudante da Sorbonne, toma um café com o velho pai que veio lhe visitar do interior. De repente o velho campônio me solta esta:
– Meu filho, eu descobri que a terra é redonda!
Silêncio do filho. Parisienses continuam a passar lá fora. Close no rapaz:
– Mas pai, todo mundo sabe disso. Há milênios!
O velho balança a cabeça afirmativamente:
– Eu sei. Só que você sabe disto porque estudou, leu, o Gagarin falou. Eu também já sabia. Mas ontem eu descobri. Sozinho, entendeu? Estava na varanda e descobri. A terra é redonda, meu filho.
O rapaz da Sorbonne não entendeu o velho pai. Nem eu. Até outro dia. Porque eu descobri – sozinho! – que não existe pôr-do-sol. O sol não se põe. É a terra que se levanta. Eu sei que você sabe disso. Porque leu, já viu desenhinho, filminho.
É a vantagem de se morar numa ilha. A gente faz descobertas incríveis. Eu estava na minha varanda, esperando o sol se pôr atrás da montanha, lá do outro lado. Quando ele já estava metade atrás dela foi que eu tive a minha eureka! Senti que era a terra que estava girando em torno dela mesma, subindo. Senti que o sol estava parado – onde aliás sempre esteve e espero que não se mexa nunca – e a montanha subindo. Confesso que fiquei com medo de cair para trás. Mas não caí.
Apenas entendi o filme do Godard. Uns trinta anos depois, baseado (olha a palavra…) em fatos reais.
Portanto, a expressão pôr-do-sol está completamente equivocada e devia ser banida dos dicionários. O certo é subir-da-terra. E você pode telefonar para alguém aí em São Paulo (onde nem sol tem mais) e dizer:
– Hoje peguei um subir da terra genial!
Em tempo: que fique claro que eu também descobri que o sol não nasce. É a terra que desce.
O Godard sabia das coisas. E os parisienses continuam passando atrás dos vidros dos bistrôs sem entender nada. Povinho ignorante.