Implico com essas senhoras que chamam empregada doméstica de minha secretária. Por que a hipocrisia? Qual a vergonha de ser empregada? Mesmo porque, diante de várias profissões que existem por aí, andam ganhando bem. No que eu acho justo. Não é moleza o trabalho delas.
Estou escrevendo isto porque fui agora ao meu quarto (a dona Lurdes acabou de sair) e vi o que temia, mais uma vez. Ela coloca os três travesseiros (sim, gosto de três) bem no centro da cama, formando um triângulo no meio deles. Não sei se é moda aqui no Sul, cafonice ou uma obra de arte dessas chamadas (como é mesmo o nome daquilo?) instalação. Minha prima Isabela Prata iria adorar.
O problema é que eu não consigo dizer a ela que não é assim que eu gosto. Este é o meu grande problema com as empregadas. Primeiro, porque ficam aqui dentro, zanzando. E nenhuma delas jamais pensou na possibilidade de que, enquanto digito no computador, estou a trabalhar. Devem achar que eu não faço nada na vida. E puxam assunto. Geralmente sobre algum problema dos filhos.
Já tive grandes e inesquecíveis empregadas. Mesmo agora, a de São Paulo, por exemplo. Chama-se Gorette, tem um metro e meio, não come e assovia. E é eficientíssima. Divide a semana entre a casa do professor Antonio Candido (doutor em literatura) na segunda-feira, há 30 anos. Na terça, vai na casa da Marta Góes (jornalista e escritora) e Nirlando Beirão (jornalista e escritor), há 27 anos. Na quarta, dá um trato na vilinha do Antonio Prata (escritor), há sete anos. E, na quinta, vai à minha. E é analfabeta.
Nunca conversei a respeito com a Gorette, mas deve achar que só trabalha para vagabundo. Creio que não, pois tem alma boa e jamais pensaria uma coisa dessas. Depois que a Gorette sai da minha casa, eu tenho que desarrumar um pouco as coisas. Ela tem mania de simetricalidade. Coloca as almofadas todas enviesadas, numa sequência lógica e degradê. Celibatário, olho para aquilo e imagino que alguém pode ver e achar tratar-se de um velho homossexual. Mas a Gorette é perfeita. E sei que ela não vai ler isto aqui. Uma pena.
Já a dona Zoca – anos 80 – implicava porque eu queria tudo direitinho. Tudo no seu lugar (e quando elas resolvem guardar as coisas?). E me dizia: ah, seu Mario, o senhor é tão sistemáááááático! Um dia foi presa dentro de um ônibus com 200 gramas de maconha enfiada no peito. Quem diria, a dona Zoca, quase avó. E ela jurou, na delegacia:
– Nunca vi essa mercadoria! Nunca! Não sei como foi parar nos meus peitos.
Mas a melhor história que eu conheço de empregada foi com a jovem e espevitadíssima Sula, sempre de minissaia (como convinha naquele começo dos 70) e que trabalhava na casa do Samir Curi Meserani, mestre de todos nós. O Vinícius de Moraes era hóspede no apartamento do Samir. Um belo dia, 3 da tarde, e Sula pede ao seu Vinícius:
– Seu Vinícius, o senhor poderia me acompanhar até a janela da sala?
O poetinha sem ter noção do por quê, consentiu. Chegaram os dois e ela colocou o braço no ombro do compositor e deu um tchau geral para as 28 empregadas domésticas que estavam nas áreas de serviço no prédio vizinho.
Ou seja, ela havia contado para todo mundo da vizinhança que estava namorando o Vinícius de Moraes. E, pra quem duvidou, teria dito:
– Pois amanhã, 3 da tarde, em ponto, vou aparecer na janela com ele. É só ficar de olho!
Dito e feito.
E a Marisa?, que eu mandei ela limpar todos os livros da biblioteca. E ela limpou. De cara feia, mas limpou. Quando eu cheguei em casa estavam limpos. Só que ela havia colocado todos os livros por tamanho (altura) nas estantes. Aquilo parecia prédio de fábrica antiga. Sabe como? E assim ficou por muitos anos e eu fui aprendendo a achar o que eu queria. Principalmente aqueles grandões, ditos de arte.
E, para encerrar, a de uma amiga minha. Primeiro dia de trabalho da empregada – isso foi há muitos anos -, o casal voltando para casa de noite e, já do elevador, ouvindo o telefone a tocar, a tocar, e a empregada a gritar:
– Já disse que saíram! Já disse que saíram!!!
No Imposto de Renda, já consta empregada doméstica como profissão. Já escritor…
Morro de inveja delas. São reconhecidas como trabalhadoras necessárias e honestas.